Das ilusões eleitorais: Transporte Público gratuito

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Com o aproximar das eleições autárquicas em Portugal, começam a multiplicar-se as promessas. Algumas surgem envoltas num tom de urgência e importância tal que nos levam à pergunta óbvia: se são assim tão cruciais, por que motivo não foram concretizadas antes? Entre elas, uma das mais mediáticas é a promessa de transporte público gratuito.

Começou pelos candidatos em Lisboa, alastrou-se ao Porto e, num efeito dominó previsível, vai contaminando o resto do país. Em Braga, chegou-se mesmo ao caricato de se discutir quem terá sido o primeiro a levantar a ideia - se os socialistas, se os social-democratas. Como se a autoria da proposta fosse mais relevante do que a sua racionalidade.

O problema central da promessa de gratuitidade não é apenas económico, é sobretudo político: faz crer aos eleitores que algo pode ser gratuito, quando, na realidade, apenas se transfere o custo para outra esfera - neste caso, para os orçamentos municipais, e em larga medida também para o orçamento nacional, entrando em concorrência com outras rúbricas orçamentais, como, por exemplo, a saúde e a educação. Recorde-se que Lisboa e Porto contam com operadores públicos do Estado, o que lhes confere uma posição privilegiada na reivindicação de apoios do OE. Já os municípios de menor dimensão não têm a mesma capacidade, agravando assim as desigualdades territoriais.

Para além do impacto orçamental, existem razões sólidas para questionar a promessa de transporte gratuito. Desde logo, a evidência empírica demonstra que a eliminação do preço não garante um aumento substancial da transferência modal do automóvel para o transporte coletivo. Em muitos casos documentados, os principais ganhos de utilização surgem de deslocações substitutivas de modos ativos, como a bicicleta ou a caminhada, e não do abandono do automóvel.

Acresce que o preço não é apenas um mecanismo de cobrança: é um indicador económico que permite ajustar a oferta à procura, garantir racionalidade no uso do serviço e sinalizar a escassez de recursos. Retirá-lo pode significar, paradoxalmente, um serviço pior, sujeito a sobrelotação, menor conforto e menor capacidade de investimento.

A receita dos bilhetes e passes obriga os operadores a procurar eficiência e a adaptar o serviço à procura. Sem esta pressão, há risco de ineficiência operacional e menor compromisso com a melhoria contínua. Isto é particularmente relevante nos operadores portugueses, em que a taxa de cobertura das despesas pelas receitas, antes de quaisquer compensações tarifárias, é muito elevada: acima dos 50% na Carris e STCP, e acima de 90% na Metro do Porto.

Quando o custo dos passes se situa já entre os 20 e os 40 euros em quase todo o país, com várias modalidades de gratuitidade, é legítimo questionar sobre a seriedade política destas promessas. Rigor, sustentabilidade e responsabilidade pública não podem ser apenas chavões para usar em discursos bonitos e redondos. Aos políticos exige-se preparação e pensamento para além do curto prazo.

Professor catedrático

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