Da pseudo-táctica
Alguns apologistas de Trump e, portanto, do “radicalismo republicano” nos EUA procuram explicar a viragem de 180 graus da Administração Americana com base na tese peregrina de que se trata de uma táctica sofisticada tendo em vista dividir a Rússia da China, debilitando aquele que é o inimigo principal do Ocidente.
Nada de mais caricato.
Em que é que a assunção de uma posição hostil em relação ao Canadá, com a imposição de novas tarifas e com a ameaça de converter um país aliado de há muitos anos no 51.º Estado da Federação ajuda a separar a Rússia da China?
Em que é que a ameaça da tomada pela força da Gronelândia ajuda a quebrar a actual aliança estratégica entre a dita Rússia e a dita China?
Em que é que a hostilização do Mundo Árabe - mesmo dos países mais próximos do Ocidente - com a defesa de uma solução irrealista para Gaza, com a transferência de dois milhões de palestinos para Estados vizinhos, com o objectivo de criar na região uma “Nova Riviera”, tem que ver com a separação entre Moscovo e Pequim?
Em que é que a dita táctica justifica a descortesia, a arrogância, enfim, a total falta de decoro de Trump e Vance para com o Presidente Zelensky na Sala Oval?
E até que ponto uma táctica tão pobre na sua conceptualização e no seu alcance justifica que se ponha em causa a aliança com os países europeus da NATO e, inclusive, com o Reino Unido, chegando-se ao ponto de afirmar que a Europa foi construída para destruir a América?
E como se explica que a liquidação da USAid e a saída da Organização Mundial da Saúde contribuem para o distanciamento entre chineses e russos, bem como para reforçar a imagem dos EUA?
Ou mesmo a saída das Nações Unidas?
Não existe nenhuma táctica sofisticada para atingir um objectivo estratégico.
Não existe, sequer, uma liderança forte, assente em convicções que não sejam de ordem exclusivamente material, nem um esboço de planeamento estratégico.
Existe, isso sim, a opção pelo bilateralismo, pela negociação que seja sempre um “sucesso” pela derrota e pela humilhação do oponente, a partir da mera análise da correlação de forças no curto prazo, ainda que à custa do Direito Internacional e dos Direitos Humanos, o que levará os EUA a um crescente isolamento no futuro.
Não é assim que se constroem amizades e alianças duradouras. Antes pelo contrário, transformam-se amigos em inimigos.
E a ausência de estratégia explica as hesitações permanentes entre criar novas tarifas e suspendê-las, passados dois dias, entre chamar ditador a Zelensky e afirmar que não se disse isso, 24 horas depois, entre dizer que a Europa foi concebida para destruir a América e receber amistosamente o presidente da França e o primeiro-ministro Inglês, entre falar no Panamá e esquecê-lo umas semanas depois.
Numa palavra, não há uma tácticam, nem uma estratégia, a não ser pensar-se em dinheiro e poder.
Apenas existe irresponsabilidade e inimputabilidade.
Será sempre difícil que venhamos a ter, novamente, um dia, alguém que pretenda assumir a liderança do Ocidente e que seja tão prejudicial ao Ocidente.
E que vá ao ponto de se colocar nas mãos de oligarcas, que confundem o interesse do Estado com os interesses dos próprios.
Só lamento nunca ter visto em Trump o mesmo lampejo de personalidade forte e firme nas suas convicções quando está com Putin.
Ele saberá melhor do que o comum dos mortais porquê. Mas, é pena!
Nem mais, nem menos…
Economista e professor universitário
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico