Da convergência democrática

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De há muito tempo a esta parte, certos sectores adoptaram a tese de que a “convergência do centro” favorece, necessariamente, os extremos.

Ora, nem sempre é assim.

António Costa, após cinco anos no governo, obteve uma maioria absoluta e não houve grande reforço dos partidos extremistas. O Chega aumentou a sua votação, mas tal teria tido mais a ver com a debilidade da liderança do então PSD do que com a má governação do PS.

E, note-se, o PSD estava em oposição ao PS e não foi por causa disso que o Chega deixou de ter algum reforço.

Na Alemanha, a CDU e o SPD formaram já diversos governos do “Bloco Central”, inclusive com os “Verdes”, e, no entanto, estes três partidos dispõem de uma ampla maioria no Parlamento alemão. Com oscilações, por vezes significativas, em cada um destes partidos, mas com uma certa estabilidade no conjunto da votação dos três partidos democráticos.

Quando se está na presença de um eleitorado com alguma cultura política percebe-se que não é pelo facto de dois partidos estarem coligados que têm, necessariamente, os mesmos programas e os mesmos objectivos a longo prazo.

E percebe-se, ainda, que tal pode ter que ver com objectivos superiores, ligados ao interesse nacional e ao interesse do reforço da democracia política, a curto e médio prazos.

É sabido como se caracteriza a actual conjuntura económica, política e social: existe uma economia europeia frágil, uma situação de guerra na Europa, a emergência de correntes populistas-radicais alimentadas pela Rússia, uma mudança na Administração Americana com uma viragem de 180 graus, enfim, com um conjunto de circunstâncias que aconselham ao entendimento entre os principais partidos democráticos.

Existe, todavia, um tropismo em sectores do centro-direita e do centro-esquerda para o aniquilamento do campo oposto, com soluções de continuidade que, apenas, respeitam acordos pontuais, mas nunca se aceitando a colaboração governativa.

Excepção feita a Mário Soares que, com a sua estatura de Estadista, percebeu que deveria agir diferentemente entre 1983 e 1985, viabilizando um Governo de Convergência Democrática que abriu caminho a uma negociação consensual da nossa adesão à CEE.

É verdade que, posteriormente, foram cometidos erros que levaram a um extremar de posições.

A substituição de Seguro por António Costa na liderança do PS tornou, pela primeira vez, possível, a nível nacional, uma aliança entre PS, BE e PCP, isto é, entre um partido de inspiração social-democrata, europeísta, pró-NATO como o PS, um partido anti-euro e anti-NATO como o BE e um partido abertamente anti-democrático como o PCP (que nunca renunciou ao leninismo, que nunca se pronunciou criticamente sobre a Coreia do Norte e que é um aliado objectivo do Sr. Putin).

Foi um mau precedente que só irá dar alguma razão, a prazo, aos sectores do PSD que admitem a aliança com o Chega.

Foi um erro estratégico de consequências previsíveis.

Mas, a conjuntura actual convida os dois maiores partidos democráticos, caso nenhum deles venha a dispor de maioria, a entenderem-se no Governo por um período de quatro anos.

A bem da Democracia e do nosso País.

Defendendo um Novo Projecto Europeu, virado para o aprofundamento da integração e para a implementação de uma Política Europeia de Defesa.

Não compreender esta imperiosa necessidade é continuar a adoptar a tese de que a visão dicotómica da sociedade entre esquerda e direita deve sempre prevalecer, qualquer que seja a realidade existente.

Conservadores e Trabalhistas estiveram juntos na governação do Reino Unido quando a Europa esteve em guerra.

Que tempo é o nosso ou, pelo menos, para onde é que caminhamos?

Será que, ainda, não perceberam?

Nem mais, nem menos…

Economista e professor universitário

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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