Curva lenta

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Na terça-feira de manhã, o actual ministro da Educação confessou, na TSF, julgo que de forma involuntária, até que ponto a sua curva de aprendizagem no cargo está a ser lenta, demasiado lenta, para mal de todos os interessados num diagnóstico em tempo útil das ineficiências ou carências do sistema público de ensino. De pouco adianta chegar um relatório com o ano lectivo a findar. Para isso, poderia ser feito calmamente na pausa estival.

Disse Fernando Alexandre que em relação aos alunos sem aulas “esse número não é possível contabilizar de forma rigorosa" e intranquilizou-nos mais ao acrescentar que “não sabemos se vamos ficar a saber”. Justifica isso com “muitas debilidades” no sistema de informação, argumentando que “aquilo que existe é um sistema de informação que identifica as necessidades de professores”, numa sucessão notável de declarações pouco admissíveis a quem está há cerca de um ano no cargo.

Recordemos que, ia Abril nos seus inícios, este ministro justificava o adiamento na divulgação de dados rigorosos sobre os alunos sem professores, inicialmente prevista para Março, com o atraso na contratualização de uma auditoria, embora garantisse que tudo se saberia em finais do mês de Abril. Algo que, em outro espaço, eu garanti não ser credível, até porque o contrato com a KPMG se prolongava até 10 de Maio e todos sabemos que por cá nada se entrega no prazo e que revelações desagradáveis para um governo em funções não emergem em período de campanha eleitoral por iniciativa própria.

Mas vamos às declarações do ministro: sim, o sistema que temos apura as “necessidades de professores”, o que tem interesse quando o que se pretende é saber quantos professores faltam no sistema. O número de alunos afectados calcula-se rapidamente ao nível da escola/agrupamento, bastando tratar essa informação. Ao contrário do que o ministro afirma é possível calcular, num dado momento, esse número de forma rigorosa. Basta pedir às “unidades orgânicas” que reportem o número de turmas/alunos que estão nesse

momento sem docentes, há mais ou menos tempo, numa ou mais disciplinas. Isso não é especialmente complicado, carente de métodos estatísticos ultra-modernos, ou até moroso, mesmo se existe desconfiança sobre a competência técnica ou o enviesamento político da máquina deixada no Ministério da Educação pelo seu antecessor.

O erro cometido foi o de optar por uma “auditoria externa”, a parecer algo independente e competente, quando o processo de recolha de dados nem sequer é algo verdadeiramente problemático, apesar de trabalhoso para quem cresceu à sombra de ferramentas digitais e algoritmos que suprissem as lacunas das capacidades naturais.

O problema é, pelos vistos, nem sequer sabemos se ficaremos a saber os contornos de um dos problemas mais dramáticos da Escola Pública em diversas zonas do país. Os interesses privados no sector agradecem.

Professor do Ensino Básico. Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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