Cultura tuga

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Não, não vou escrever sobre as controversas declarações de Pedro Nuno Santos, mas sim, por estranho que pareça, sobre as “provas-ensaio” do Ensino Básico, que o Ministério da Educação calendarizou para o próximo mês de Fevereiro. Tais provas são, como a designação indicia, destinadas a “ensaiar” a realização, entre Maio e Junho, das novas “provas ModA” dos 4.º e 6.º anos, e das provas finais do 9.º ano. Acrescento que também não vou escrever sobre a peregrina ideia de qualificar como “solidárias”, as bolsas de professores classificadores destas provas.

Vou, em contrapartida, chamar a atenção para o ponto 4.7 do Guia do Júri Nacional de Exames para a realização das provas, no qual pode ler-se que:

“A escola deve verificar atempadamente se todos os equipamentos/materiais estão a funcionar corretamente, bem como averiguar se estão garantidas as condições técnicas para que os alunos realizem as provas-ensaio dentro da normalidade requerida.”

Para quem esteja a interrogar-se o que tem isto a ver com o título da crónica, eu já explico. É que faço parte dos que consideram que em muitas escolas, independentemente do que os seus órgãos de gestão tenham transmitido à tutela, estão longe de estar garantidas as tais condições técnicas para que as provas decorram com a “normalidade requerida”. Mas, mal expressei esta minha “percepção” existiu quem me apontasse um par de defeitos tidos como intrinsecamente nacionais: o pessimismo acerca de qualquer novidade e o atraso na preparação de qualquer mudança, levando a uma espécie de profecia auto-realizada. Ao não se querer alterar rotinas, não se faz o necessário em tempo útil, acabando por justificar as previsões negativas.

A isso, eu acrescentaria outros três traços de uma quase mítica idiossincrasia lusitana, que enumero sem ser numa ordem especial, em termos de hierarquia ou importância relativa: o fingimento, o desenrascanço e a desresponsabilização.

O fingimento é o contraponto do pessimismo, porque corresponde àquela atitude de apresentar como estando tudo bem, o que notoriamente não está, para que não se faça má figura.

O desenrascanço procura suprir os problemas levantados pelo atraso na preparação (ou impreparação) de qualquer tarefa e é de conhecimento e uso geral, só não se percebendo por que razão o MacGyver era americano.

Por fim, a desresponsabilização é o corolário de tudo o resto, porque é aquele recurso que permite que seja quem afirmou que tudo estava bem, seja quem não preparou o que deveria, seja quem não conseguiu desenrascar-se à última da hora, se sinta irresponsável seja pelo que for, menos pela parte que eventualmente tenha corrido bem.

“Chegámos ao ponto em que colectivamente estamos fartos de tudo e individualmente fartos de estar fartos. Extraviámo-nos a tal ponto que devemos estar no bom caminho.”

(F. Pessoa, Revista Portuguesa, 1923)

Professor do Ensino Básico.

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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