Corrupção, maternidade e tarte de maçã
Ver-se-á o que vai trazer o novíssimo “pacote anticorrupção” – e, como não se trata de ontologia quântica, provavelmente nada de novo. Em matéria de corrupção, este país é só deliciosamente histriónico e ciclotímico, não fosse ser um país.
Em dezembro de 2021 foi criado o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), substituindo o anterior Conselho de Prevenção da Corrupção, uma nova “entidade administrativa independente, com personalidade jurídica de direito público e poderes de autoridade, dotada de autonomia administrativa e financeira, que desenvolve atividade de âmbito nacional no domínio da prevenção da corrupção e infrações conexas”. Ou seja, basicamente uma estrutura de divulgação e fiscalização do cumprimento das obrigações legais de entidades públicas e de empresas e outras organizações privadas em matéria de prevenção da corrupção. Poderia perguntar-se se as múltiplas inspeções-gerais, o Tribunal de Contas e, já agora, todos os inúmeros órgãos de polícia criminal, o sistema judiciário e as dezenas de milhar de advogados e serviços jurídicos internos não seriam suficientes para promover o cumprimento da lei. Mas, claro, faltaria sempre uma entidade que pudesse expressamente “coordenar a conceção e execução do programa do mês anticorrupção”, atribuição do MENAC dada pela alínea k) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro.
É conhecido também que, apesar de decorridos alguns anos, se aguarda ainda uma famigerada plataforma informática para a submissão pelos serviços públicos dos pacotes burocráticos de informação exigidos e dos diversos relatórios de execução – plano de prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas, código de conduta, programa de formação e um canal de denúncias – , uma plataforma prevista precisamente em 2021. Entretanto veio também o MENAC a recomendar, via Diário da República, no mês passado, que lhe “seja comunicado mensalmente (...) durante a primeira semana do mês seguinte ao mês a que respeita, com referência ao cumprimento normativo, se houve regularidade no seu cumprimento ou se houve falhas ou irregularidades”. Sim, devem as entidades, públicas e privadas, indicar-se mensalmente, na primeira semana de cada mês, se a lei foi cumprida ou se não o foi... (o e-mail, já agora, é: geral@mec-anticorrupcao.pt). Sim, é apenas uma recomendação – mas com potencial de criação de emprego, diria.
Este ambiente bucólico convive, em simultâneo, com a atividade mais recentemente conhecida do Ministério Público e de magistrados judiciais, que adotam métodos infalíveis de prevenção da corrupção, como colocar membros do governo sob escuta durante 4 anos e vazar ou permitir vazar escutas, a conta gotas, que nada parecendo ter de criminal, disseminam uma extraordinária perceção dupla: a de que “a impunidade acabou!” e a de que os políticos, esses malandros, são efetivamente corruptos, mesmo não quando não o sejam.
O melhor remédio para prevenir a corrupção é mesmo prevenir alguém de sequer pensar em assumir um cargo público ou uma decisão pública. Ah, a sabedoria de beca, a mais pura de todas!