Consumada a reeleição, corre o processo
A decisão judicial era esperada no primeiro trimestre do ano passado, numa altura em que a reeleição da Presidente da Comissão Europeia estava no horizonte. Chegou agora.
O Tribunal Geral da UE deu como provado o recurso a SMS nas negociações decorridas entre a Presidente e o CEO da Pfizer que precederam um dos contratos de maior valor já celebrado por aquela instituição com uma entidade privada. Com uma versão ambígua acerca dos factos - e justificações sem requisitos para serem consideradas aceitáveis por um tribunal - a Comissão, ainda no anterior mandato, não facultara o acesso ao conteúdo das mensagens a uma jornalista que o tinha pedido. A comissária que ao tempo detinha a pasta dos Valores e Transparência defendera que "eventuais SMS" poderiam ter sido suprimidos em função da sua "natureza efémera e de curta duração". Sobre a decisão negativa da Comissão pronunciou-se agora o Tribunal: anulou-a, aplicando o direito vigente.
Não é por estar hoje consumada a reeleição que a decisão judicial - ainda recorrível - deixa de constituir um dano reputacional relevante, dentro e fora da União. E na Alemanha, mas não só, voltou a ser evocado o "escândalo das consultoras", com sequelas parlamentares, quando a actual Presidente ocupava o cargo de ministra da Defesa. Independentemente doutras considerações em torno do chamado "escândalo Pfizergate" (com dimensões mais amplas) suscita-se aqui um conflito de dimensões sérias. É o conflito entre, dum lado, assumir a última responsabilidade em matéria de aplicação da política de transparência por parte da Comissão e, doutro, a intervenção pessoal, nas condições mencionadas, com a ulterior retirada do circuito institucional dos conteúdos trocados. Com a negação do acesso assumida por parte da anterior Comissão esperava-se por certo que a posição da Presidente resultasse blindada (e isso mesmo se extrai também do modo pouco compreensível como o Parlamento Europeu acabou por lidar como caso). O excesso de confiança presente na insuficientíssima justificação operou o inesperado: fez com que a censura do Tribunal fosse inevitável.
O efeito negativo está adquirido, ferindo não só quem interveio como as instituições europeias. E isto mesmo que deste particular processo não decorram imposições particularmente penosas : o Tribunal dá sinais de se contentar com ulterior "explicação credível" sobre o destino dos SMS. Quem conheça a antiga jurisprudência do nosso Supremo Tribunal Administrativo sabe das múltiplas saídas que contenciosos e anulações desta natureza possibilitam. Contudo, em sede criminal, há notícia de uma investigação sobre matéria conexa, a decorrer na Procuradoria Europeia, que manterá aberta a possibilidade de mobilizar meios mais eficazes para, acerca dos SMS, vir a apurar o que ainda for possível.
Mesmo não existindo uma opinião pública europeia, mesmo não agindo o Parlamento Europeu como agiria um parlamento nacional, aqui temos uma lição a reter: em matéria de valores e transparência uma reeleição não representa o fim da história.
Jurista, antigo ministro. Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico