Como reagir aos memes brasileiros

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Um meme em que influencers do Brasil chamam Portugal de “Guiana Brasileira” pode ter passado despercebido no país europeu mas mereceu notícia até nos principais meios de comunicação da nação sul-americana porque para os brasileiros meme é assunto sério – para mal dos pecados deles, talvez seja o assunto mais sério. 

 Todos os países precisam de um antagonista para se afirmarem: Portugal usa Espanha, os ventos, os casamentos, Aljubarrota, Olivença e os espanhóis não estão “nem aí”; e o Brasil, naturalmente, usa o colonizador, mesmo que os portugueses, pelo menos antes da internet, não estivessem “nem aí”.   

Dessa forma, a cada novo meme brasileiro em que são o alvo, ficam sem argumento. Eis aqui então sugestões de reação.   

Neste 21 de abril, o Brasil festejou o feriado de Tiradentes, em homenagem a um dentista, de profissão, e herói, nas horas vagas, que morreu, em 1792, pela independência. Mas em vão. Independência mesmo o país só a obteve, 30 anos depois, por obra de Dom Pedro, um português nascido em 1798 em Queluz, ali a meio do IC19, provavelmente já engarrafado por aqueles dias. Ou seja, até a independência o Brasil deve a um português. 

 Entretanto, o pai de Dom Pedro, o rei Dom João VI, é retratado na ficção brasileira como um cobarde, como se escapar do imenso exército de Napoleão fosse cobardia. A propósito, o Brasil só venceu uma guerra, a que declarou contra o Paraguai, país 21 vezes menor: seria como um elefante desafiar uma borboleta. Pior: para derrotar a borboleta, o elefante ainda pediu ajuda à Argentina e ao Uruguai. Consta que o exército brasileiro também participou na segunda guerra mundial mas o Terceiro Reich nem se apercebeu. 

 Sobre o “ouro roubado”, o curioso é que nunca são as supostas vítimas, os povos originários, que se queixam mas sim brasileiros com nomes e sangue português. Até o autor destas linhas tem duas filhas, já nascidas em solo brasileiro, que lhe reclamam a devolução desse ouro – os brasileiros são, pois, como descendentes de Al Capone a exigir o produto dos crimes do antepassado mafioso. Há também ítalo-brasileiros (e outras comunidades emigrantes) a fazer exigências: mas porque carga de água o ouro de Minas Gerais pertenceria a calabreses ou sicilianos chegados no início do século XX?  

Entretanto, um motorista de Uber, negro, perguntou se em Portugal poderia sofrer racismo. Poder, pode, mas se continuar no Brasil, país em que 75% dos negros já passaram por episódios de racismo, 70% da população carcerária é negra, o rendimento médio dos brancos é 88,3% superior e os negros têm 4,5 mais hipóteses de serem abordados pela polícia, sofrerá de certeza. Porque, às vezes, parece que os brasileiros que passam por intoleráveis casos de xenofobia em Portugal chegaram de uma espécie de paraíso da diversidade. 

 Ou então, esqueça Tiradentes e tudo o resto e responda como Raul Solnado respondeu num talk show do Brasil quando lhe perguntaram por que os portugueses não contavam piadas de brasileiros: “Mas precisa?”.

Jornalista, correspondente em São Paulo     

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