Nestes últimos anos, em vários países democráticos, incluindo membros da UE, foram introduzidas, ou estão em fase de discussão pública, reformas legislativas incidindo sobre o acesso à magistratura e, em particular, à posição de juiz. Há nelas muito de convergente: o esforço de abertura do corpo judiciário, o acolhimento de perfis diferenciados, a distinção de percursos de preparação mais longos e mais curtos (consoante prévias experiências profissionais e qualificações), a adaptação das provas de admissão aos perfis visados, a combinação de critérios meritocráticos e do propósito de diversificação e aproximação da realidade social.Deixando de lado democracias que prosseguem estratégias mais arrojadas neste domínio (como é há anos o caso do Reino Unido) sirvam de ilustração duas experiências próximas, a cujo regime de acesso o nosso se aparenta. A reforma francesa é de 2023, foi objecto de intenso debate, passou pelo crivo do Conselho Constitucional - e a palavra “abertura” é mesmo a primeira que consta do título da lei.Em Espanha, a proposta de lei recentemente aprovada, agora em fase de discussão pública, entre outras inovações dignas de atenção, retoma, em novos termos, o chamado “quarto turno”. É uma opção que visa assegurar que, em cada quatro admissões, uma delas incida em profissionais de competência reconhecida, aferida por prova específica - algo de expressivo daquela postura “pluralizante” que, nos anos 80, deixou marcas nas opções judiciárias ibéricas (entre nós, no modelo constitucional do STJ, longamente adulterado).O nosso Parlamento acaba de chancelar algumas escolhas noutro sentido. Ainda que entretanto desfigurada e carecida de actualização, funcionava entre nós uma “via profissional” para aceder à magistratura. Com requisitos próprios de experiência profissional e específicas provas de acesso, estava-lhe garantido - tal como à outra via, a “académica” - um mínimo de um quarto das admissões.Acabou-se com a especificidade e com essa garantia, retirando-lhe alcance. Viu-o bem o Conselho Superior de Magistratura, no parecer remetido à AR, recomendando que, a ser assim, se consagrassem, então, outras formas de recrutamento de profissionais já experimentados - mas não foi escutado.Não o seria também a Associação Sindical dos Juízes ao pronunciar-se contra o fim da exigência do mestrado. Só quem não conheça as realidades ignora que serão em breve mensuráveis os efeitos, nas admissões, em termos de idade e de equilíbrio entre sexos.Impendendo sobre este processo legislativo a acusação de “incompreensível demora”, de “lentidão exasperante” e até mesmo de indiferença às “pulseiras vermelhas” - expressões do Presidente do STJ - primou a prontidão.A proposta entrou na AR em Novembro, subiu ao plenário em Dezembro e recebeu a votação final em Janeiro, a ponto de, antes do fim do mês, já ter havido promulgação e publicação. Mais significativo ainda: votaram a favor PSD, PS, IL, BE e CDS, ninguém contra. Quando se legisla no Parlamento sobre o acesso à magistratura (como “fazer” hoje procuradores e juízes?) impressiona - em contraste com a vivacidade e aprofundamento do debate noutros países - um tão rápido e generalizado “pensar parecido”. Jurista, antigo ministro.Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico.