Com uma Europa assim, Trump só pode ganhar

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É incrível como a grande maioria dos líderes europeus e comentadores continuam sem saber lidar psicologicamente com Donald Trump. Que o homem é um narcisista sem grandes valores fundamentais que o movam (além de vencer a curto prazo) não é novidade nenhuma. Que ele vê todas as suas relações como um negócio - em que exige sempre o máximo à entrada - muito menos. E que (por isso mesmo) pressionará sempre quem estiver em posição mais fraca... faz parte do “negócio”.

Mas, neste sentido, Trump tem uma enorme vantagem para quem observa: é simples (quase simplório) e transparente. Ele quer é “ganhar dinheiro”.

Trump odeia gastos que acha desnecessários. Exemplo: ainda não tinha feito um ano do primeiro mandato, soube-se logo depois, e tentava tirar as tropas americanas estacionadas na Coreia do Sul. Não percebia como gastar um balúrdio com aquela gente e equipamento a mais de 11 mil quilómetros de Washington DC poderia contribuir para a Segurança Nacional!

Neste segundo mandato o objetivo mantém-se: reduzir drasticamente as despesas do Estado e aumentar a produção interna para reduzir o défice. Os Estados Unidos pagam cerca de um bilião de dólares por ano em juros, o equivalente ao orçamento em Defesa. E a maioria desse dinheiro vai para a China, que é quem detém mais de 80 % da dívida norte-americana - na prática o rearmamento chinês da última década foi pago pelos contribuintes americanos... Trump é , assim, bem capaz de arriscar um ou dois anos de austeridade nos EUA para conseguir baixar o défice.

Ora uma retração americana significará uma recessão europeia, tal a dependência da nossa economia daquele mercado (e com os dois maiores motores europeus, França e Alemanha, já em dificuldades). E, a maior parte do tempo, a Europa parece uma galinha cuja cabeça já foi cortada, mas continua a correr... com as outras galinhas do galinheiro a saudarem-na pelo facto.

O presidente francês, Emmanuel Macron, aparece como grande líder internacional, a meio do seu segundo (e último) mandato, querendo fazer esquecer que internamente está mais morto do que vivo. Caso, nas próximas Presidenciais, Marine Le Pen chegue ao Eliseu, grande parte dos seus compromissos de “europeísmo” poderão bem ser... tábua raza.

Na Alemanha, teremos um novo “centrão”, agora liderado por Friedrich Merz, que, apesar de poder trazer esperança de algumas reformas, não deixa de ser isso mesmo - um “centrão”. As reformas profundas de que Angela Merkel fugiu como diabo da cruz (o que ajudou a que a maior economia europeia esteja no estado em que está) não estarão ao virar da esquina...

Da Espanha de Pedro Sánchez, já aqui o referi, temos a bela resposta socialista habitual: fazer parcerias novas, virarmo-nos para a democrática e fiável China...

Já a Itália de Meloni é um bom exemplo do que é uma gestão pragmática “moderna” (chamemos-lhe assim) de um país europeu com a UE e os EUA. Negoceia cá dentro do quadro comunitário; negoceia lá fora a nível bilateral. E, verdadeiramente, alguém a pode levar a mal?

É um cenário de terror, este. Mas é a realidade que vamos ter de viver nos próximos longos e duros anos.

Editor do Diário de Notícias

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