Chamberlain Trump

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Ambos reflectimos sobre a grande História das nossas Nações.” Esta frase de Donald Trump ao referir-se ao resultado do telefonema que há uma semana fez para Vladimir Putin, de forma a iniciar as conversações de paz, ditaram o teor inconcebível em que começou este processo.

Vamos imaginar que, em 1941, era esta a frase que sairia de entre os EUA e a Alemanha nazi sobre o conflito com a Grã-Bretanha e que, de seguida, falariam de como iriam cooperar em conjunto depois disso.

Mais, numa negociação bilateral EUA/Rússia, Trump acordou com Putin uma espécie de nova Ialta, como o ditador russo sempre desejou, acrescentando que a Ucrânia ainda teria de fazer concessões, cedendo território e que não teria o apoio americano para aderir à NATO. E as garantias de paz teriam de ser dadas pela Europa, não pelos Estados Unidos, que apenas iria tirar dividendos económicos do solo ucraniano. Uma negociação sobre a Ucrânia sem a considerar, nem aos parceiros europeus, como se fossem dividir o seu território à semelhança do que Portugal e Espanha, no século XV, fizeram com o mundo por descobrir.

E as cedências da Rússia, quais são? Parar a guerra? Apenas? Imagino que as reacções de Putin em privado terão sido as mesmas das de Hitler quando acabou a conversa com Chamberlain: as de um vencedor.

Esta atitude apenas sublinha duas grandes premissas: o Direito Internacional não é algo que deva ser respeitado; e qualquer invasão para ocupação de território é permitida, sem consequências, desde que o invasor seja poderoso. Pode ser a China a invadir Taiwan, Estados Unidos o Canadá, Rússia qualquer das suas antigas repúblicas ex-soviéticas. Com este telefonema, tudo passa a ser permitido.

O acordo de Munique de 1938, em que se dividiu a Checoslováquia - que nem foi considerada nas conversações, como a Ucrânia - foi uma vergonha para a Europa. Chamberlain, julgando ter acabado com a guerra, voltou para o Reino Unido em apoteose, ao que Churchill vaticinou: “Entre a desonra e a guerra, escolheste a desonra. E terás a guerra.” Esta começou no ano seguinte, depois de Hitler se ter fortalecido e ocupado Praga, desrespeitando o acordo, perante o espanto da Europa e do resto do mundo.

Agora, Munique tem outro papel: o resultado desta Conferência de Segurança é a obrigação de mostrar que não irá assistir a capitulações. A História repete-se e a Europa já viu destas repetições por demasiadas vezes para não se preparar agora. Conceder é um erro que vai sair muito mais caro num futuro próximo. Há dois momentos em que nunca se deve ceder, porque se perderá tudo: com chantagistas ou com ditadores. Normalmente, são uma e a mesma pessoa.

Professora auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa e investigadora (do CIDEHUS).

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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