O mundo do politicamente correto convencionou chamar “não verdade” a uma mentira, por isso, dizer que alguém é mentiroso é deselegante e ofensivo, mas no debate político todas as “inverdades” são admitidas. No caso de Carlos Moedas, demasiadas “não verdades” têm sido toleradas.Ao abandonar uma reunião da Assembleia Municipal de Lisboa quando alguém o acusou de mentir - furtando-se às respostas exigidas - Moedas esqueceu-se das vezes em que chamou mentirosos aos adversários. Exigiu para si o estatuto de intocável que não reconhece aos outros, sinal de uma dupla personalidade política que tem vindo frequentemente à superfície. Como no caso do aumento de voos no aeroporto de Lisboa, em que do “pode-ser-desde-que-paguem”, passou rapidamente ao “vão-bater-à-porta-da-ANA”, até chegar ao “não-quero-mais-voos-porque-a-oposição-me-encurralou”. Ou quando se gabou à imprensa estrangeira de que há freguesias em Lisboa onde as licenças para Alojamento Local estão suspensas, mas se esqueceu de dizer que tinha votado contra elas. Em Lisboa vive-se nesta bipolaridade há três anos. Carlos Moedas diz o que quer, quase sem contraditório, e quando desdiz o que anteriormente disse não há consequências. Felizmente há memória, para lembrar, por exemplo, quando no seu primeiro orçamento foi detetado um erro de milhões e a proposta foi retirada para correção. Iniciando-se na técnica, entretanto aperfeiçoada, de vitimização, Moedas veio publicamente queixar-se que o PS tinha votado contra e bloqueado a sua gestão. Comprovou-se mais tarde que nem sequer tinha havido votação e, quando ela de facto teve lugar, o PS absteve-se - nesse e nos seguintes orçamentos, para não inviabilizar a governação da cidade. Mas Moedas gostou deste ensaio da dificuldade que é governar em minoria e nunca mais parou o discurso do “não me deixam fazer”. (Pausa para uma gargalhada). Sejamos claros: Carlos Moedas só não faz mais porque não quer. O caso do lixo é paradigmático. Ao fim de mais de mil dias à frente da Câmara, Moedas vem dizer que Lisboa nem está assim tão suja quando comparada com Bruxelas, Londres ou Paris. Para ele, os lisboetas têm tentado, mas ainda não conseguiram o troféu da porcaria. Com mais 200 contratações para a higiene urbana, recursos financeiros como nunca e menos lixo a ser produzido, por que está a cidade tão suja? É uma questão de “perceção”, “uma campanha política concertada de tirar fotografias na rua”, reclama o Presidente, que também gosta de teorias da conspiração. (Pausa para suspiro).Na verdade, o que falta na cidade é planeamento, organização e boa gestão, como comprova também a situação dos sem-abrigo, em cada vez maior número. Nas palavras de Moedas, a CML tem feito imenso e a culpa é de “alguma extrema-esquerda” e associações que tratam o assunto como “um negócio”, mantendo “as pessoas naquela situação como arma política”. (Pausa para incredulidade). Quando é incapaz de resolver um problema, Moedas culpa quem o tenta fazer. Ou culpa o passado, como no caso do contrato de publicidade da cidade, quando já todos perceberam que foi a sua execução desastrosa que aprovou as dimensões e localizações dos grandes formatos. Só agora, perante a indignação geral, está a fazer o que devia ter feito antes: parar a instalação da publicidade até ter os pareceres de segurança rodoviária que não se lembrou de pedir.Na semana passada, para desviar a atenção mediática desta polémica, Moedas criou um facto político ao anunciar que tinha dado ordem à Polícia Municipal (PM) para efetuar detenções. Depois de soarem alertas para uma possível ilegalidade, veio dar o dito por não dito. Afinal, a PM sempre pôde deter (como qualquer cidadão, desde que em situação de flagrante delito) e a ordem não fora mais do que uma “orientação”. O pior aqui nem é a “inverdade”, mas usar o pior receio da população, a insegurança, para proveito político. As pessoas não querem saber que força policial atua, desde que atue. Mas gostariam de perceber por que razão não é a PM mais eficaz na fiscalização do barulho, do estacionamento e velocidade (essas sim, reais preocupações da cidade). Não, Carlos Moedas “não falta à verdade”. Mente impunemente, porque deixamos que o faça e encolhemos os ombros quando a careca se descobre. É urgente que, na política, como na vida, se comecem a chamar os bois pelos nomes. Antes que seja tarde demais. Presidente da Concelhia do PS de Lisboa