Camões em carne viva: Quando os alunos dão voz à poesia
No âmbito das comemorações dos 500 anos do nascimento de Luís de Camões muito se tem feito, independentemente do deserto de iniciativas em que o Estado Português tem caído e recaído. Nada a esperar, portanto. Cabe à sociedade civil e a certos organismos, instituições, editoras e iniciativas pessoais a verdadeira homenagem. Cabe, supremamente, às escolas e universidades.
Para além das biografias, de que destaco a de Isabel Rio Novo, há livros recentes que marcam este ano de celebrações. O livro de Mário Rui Silvestre e de Vítor Serrão, Camões: Altos Cumes, Scalabicastro e correlatos vindo a lume na histórica editora Cosmos (o tema na crónica deste Directo à Leitura), é indispensável para se estudar a poesia de Camões na relação com outros contemporâneos seus e em clave transdisciplinar. Mas recordemos ainda as reedições de Babel e Sião e de Os Lusíadas, com ensaios de Jorge de Sena, que a Guerra & Paz igualmente pôs à disposição do público. E daqui passemos à iniciativa levada a cabo pela Leopardo Filmes, a produtora de Paulo Branco.
Nestes tempos de fechamento educativo, há cada vez mais professores a recusarem-se transformar as suas aulas na aridez pedagógica com que a tutela decapita e estupidifica. Imaginar: eis o lema que poderia encimar a iniciativa de Paulo Branco e da sua equipa: dar a ler de novo Camões, imaginando-o.
A questão que me colocam muitas vezes sobre como fazer com que os alunos de uma geração à qual foi roubada a curiosidade e o gosto pela leitura descubram o prazer dos textos tem, da minha parte, sempre duas respostas. Por um lado, há que denunciar o óbvio: em virtude de uma enxurrada de aparelhos digitais que embrutecem e alienam, não podem gostar de ler. Impõe-se que os professores, em todos os graus de ensino, façam das aulas permanentes encontros com os livros, dando a descobrir edições raras.
Segunda razão: a concepção provinciana de uma Educação up to date, facilitadora e, portanto, feita de incúria e de ignorância. Urge, pois, consciencializar os próprios docentes para a importância do livro e das artes - todas elas. E faça-se a pergunta: a quem convém que, depois de 12 anos de escola, os alunos nada tenham lido, escrevam mal e não saibam redigir? É neste sentido que a iniciativa de Paulo Branco igualmente me parece ser de sublinhar.
Com efeito, nestes dias 13 e 14 de Novembro, Camões é bem o pretexto para, pensando-o, levarmos os estudantes (e os pais e encarregados de educação dos estudantes) a desfrutar da poesia do grande lírico. A reboque desta iniciativa, que se pretendeu fazer? Não só lembrar Camões. Se no Cinema São Jorge, no dia 13 à tarde Paulo Branco, às 15.00 horas, irá falar desse filme de 1946, Camões, de Leitão de Barros, mostrado em cópia restaurada, a que se seguirá um debate-conversa com Paulo Branco, é em duas outras iniciativas de enorme relevo que poderemos reencontrar o autor de Os Lusíadas (1572).
No Teatro do Bairro ler-se-á a Canção X, a dita “autobiográfica” composição escrita (ou imaginada por escrito) no exílio, na “arábica aspereza” da Abissínia. Eurico Lopes e Manuela Couto, dois excelentes leitores da poesia em voz alta, conjuntamente com J.P. Simões irão ler esse poema maior. Ao músico caberá cantar uma composição que legende a ambiência geral dessa Canção X. Inquietação é, quem sabe, o tema-chave que às 22.00 horas desse dia poderemos sentir e cantar.
Porém, é no dia 14 de novembro, às 21.00 horas, no Liceu Camões - Escola Secundária, diz-se agora - que haverá a grande homenagem. Os estudantes de uma geração espoliada da leitura lerão 12 poemas com música de Carlos Maria Trindade.
Se à inquietação do dia anterior juntarmos uma palavra, essa terá de ser de novo “imaginação”. A educação verdadeira só com cultura se faz. A imaginação ao poder! E por isso os estudantes do Camões lerão Camões em voz alta e teremos todos de reconhecer que educar é regressar a algo simples: ao prazer dos textos.
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico.