Cada um por si

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A uma semana da tomada de posse de Donald Trump, o mundo já mudou. Os principais países já não pensam em cooperar ou liderar movimentos globais com objetivos de influenciar a transição para um determinado modelo económico ou ideologia, nem promover a paz ou o bem comum. Pretendem, acima de tudo, defender os seus interesses. Os acordos são de circunstância, voláteis e transacionais. Os dois países mais poderosos do mundo, EUA e China, rejeitam a responsabilidade pelo resto do planeta e preocupam-se cada vez mais com as ameaças à sua estabilidade.

Grande parte das organizações supragovernamentais está hoje desprovida de iniciativas de liderança. ONU, G20, G7, FMI ou os BRICS são exemplos de instituições que valem mais pela diplomacia do que pelo seu caráter decisivo, estratégico ou interventivo. As negociações tendem, portanto, a ser cada vez mais bilaterais e baseadas na força, seja militar ou económica.

Este é um tempo de particular desafio para a União Europeia. A União é um projeto agregador, de oposição à fragmentação e à beligerância entre os países europeus. Se nunca foi fácil em tempos de multilateralismo, de cooperação internacional e de alguma prosperidade económica, o que dizer agora?

Além do ambiente externo mais adverso e com uma guerra à porta, muitos países europeus não têm governos fortes, o populismo vai ganhando espaço e a economia cresce pouco. Os países mais pobres já atingiram um nível aceitável em termos de qualidade de vida e infraestruturas, pelo que as populações parecem valorizar menos o projeto europeu. Já os mais ricos - outrora no centro da UE do G7 - não estão satisfeitos por terem perdido relevância e liderança. Já se vão notando algumas iniciativas de negociação direta, fazendo um bypass às políticas europeias.

Os EUA, a China e a Rússia querem - e que disso ninguém duvide - uma Europa dividida. A UE parece continuar mais preocupada em regulações e menos em defender o seu projeto, a economia e o bem-estar das populações, quando “os bárbaros estão à porta”. Se pensarmos em algumas das grandes tendências como a Inteligência Artificial, digitalização, criptoativos, condução autónoma e eletrificada, defesa, etc., a UE não lidera em nenhuma.

A Portugal cabe perceber os ventos de mudança e trabalhar na sustentabilidade financeira, económica e da sociedade. Não é o tempo de aumentar a dívida ou dependências.

Ainda assim, apesar do contexto internacional desafiante, o país tem uma oportunidade que poderá ser única. O recente crescimento populacional tem de ser aproveitado para mitigar ou mesmo resolver a crise demográfica e pode permitir ao país subir um degrau em termos económicos. É crucial criar condições para que Portugal seja um projeto de vida para todos, até porque não sabemos até que ponto poderá chegar a desagregação europeia.

Economista conselheiro

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