'Blurred lines'

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Em sessões de formação dirigidas pelos Serviços Centrais do Ministério da Educação aos directores escolares nas últimas semanas, foi dado algum destaque a uma interpretação curiosa do que se prevê no Decreto-lei 51/2024, em cujo artigo 9.º (n.º 1) se pode ler que:
“De forma a mitigar os efeitos da ausência de atividade letiva num determinado grupo de recrutamento, (…) os agrupamentos de escolas e as escolas não-agrupadas podem proceder à contratação de docentes com formação científica adequada nas áreas disciplinares de outros grupos de recrutamento e de técnicos especializados, para o desenvolvimento de competências e realização de trabalho com os alunos.”

No artigo seguinte (10.º) prevê-se a contratação de técnicos especializados (TE), mas apenas para “as necessidades temporárias de serviço com pessoal técnico especializado”. No entanto, no material de suporte à sessão de 11 de Outubro de 2024, explicita-se a possibilidade de contratação de um TE “sem formação científica adequada” para desenvolver actividades com os alunos, as quais, contudo, “não concorrem para a disciplina e não são avaliadas” (diapositivo 15).

Só que esta possibilidade (a ausência de formação adequada) é omissa na legislação, sendo uma extrapolação criativa, destinada apenas a dar a aparência dos alunos estarem numa sala de aula, com um adulto por perto. Até porque se afirma que “no ano seguinte as aulas têm de ser repostas”. Ou seja, não são propriamente aulas.

A esta solução ardilosa, junta-se, na sessão de 15 de Novembro (diapositivo 14), o modo de a operacionalizar. Perante uma questão sobre a forma de lançar um concurso ao abrigo do referido artigo 9.º, responde-se que “o técnico especializado não tem de ser da área disciplinar do docente em falta, pois a sua função junto dos alunos inscreve-se no desenvolvimento de competências e trabalhos com os alunos.”

Só que o diploma em causa separa com clareza aquilo que é a contratação de docentes para situações de ausência de actividade lectiva do que é a contratação de técnicos especializados para suprir as necessidades temporárias deste tipo de profissionais.

Este tipo de solução, vizinha da lógica da ocupação de tempos livres, nas quais qualquer monitor com escassa qualificação pode tomar conta das crianças ou jovens, apenas ajuda a confundir ainda mais o espaço e o tempo dedicado a tarefas lectivas, dedicadas ao desenvolvimento de aprendizagens e à aquisição de conhecimentos relevantes para a vida escolar dos alunos, e o tempo e o espaço de outra coisa qualquer.

O esboroar das fronteiras entre a sala de “aula” e a sala onde se fazem umas “actividades”, é uma péssima mensagem num contexto que já se percebeu ser de degradação do desempenho dos alunos de muitas escolas. 
Mais vale isto do que nada? Olhem que não, olhem que não…

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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