Biden e Trump, idadismo e concorrência

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Na semana passada escrevia sobre o presidente Biden e a sua idade, na sequência da sua prestação televisiva no debate com Donald Trump. Ora, já no século VII, reconhecia-se uma sabedoria, entretanto ultrapassada pela conhecida mitologia, a do medievalismo como tempo imprestável, perdido, de trevas, tal como pela nossa crença simultânea e atual de que somos um sopro e somos também eternos. Santo Isidoro de Sevilha, no livro mais lido na Europa entre o século VII e o século XVI, escrevia, sobre as idades do Homem: “(...) A quarta idade é a juventude, a mais firme de todas, e termina aos 50 anos. A quinta é a da maturidade, isto é, gravidade, que é a passagem da juventude para a velhice. O homem maduro ainda não é velho, mas também já não é jovem, porque está numa idade mais avançada a que os gregos chamam presbyter. (...) Esta etapa começa aos 50 anos e termina aos 70. A sexta idade é a velhice, que não tem limite superior.

Quer Trump, quer Biden, já ultrapassaram a idade de maturidade, da gravidade, e entraram na velhice. Isto parece inquestionável. Tal como é impossível não ver nas reações após o debate em relação ao presidente Biden uma campanha, mesmo quando subliminar ou inconsciente, contra a idade mais avançada e as condições que esta necessariamente traz. Que são distintas, efetivamente, das condições da juventude, a tal idade que termina aos 50 anos – e que por acaso também convoca em si toda a inexperiência e todo o desapego da consciência da finitude, ambos riscos decisivos, já agora, para o exercício de cargos como o de presidente dos Estados Unidos.

Dados da IPSOS, recolhidos imediatamente após o debate televisivo entre Joe Biden e Donald Trump, apresentam resultados não inteiramente coincidentes com a opinião publicada e emitida nos dias seguintes, especialmente a opinião de alguns proeminentes democratas norte-americanos. O estudo da IPSOS indica, por exemplo, que apenas 4% dos questionados pondera não votar em Biden em virtude do seu desempenho no debate. Mas também 2%, após o visionamento do debate, pondera agora, em virtude deste, não votar em Donald Trump. Aliás, em relação ao sentido de voto assumido pelos inquiridos antes e depois do debate, nota-se até uma variação positiva de 2% em relação a Biden (de 44% para 46%) e a manutenção da mesma percentagem em relação ao voto em Trump (44%) (www.ipsos.com/en-us/538-ipsos-june-2024-presidential-debate-poll). Talvez até isto justifique também a opção pelo presidente Biden como candidato.

A discriminação coletiva sobre os mais velhos tem de ser rejeitada e ultrapassada. A grande discriminação que ainda sobrevive, subliminar ou evidente, tendo o Ocidente lidado com o género, a raça ou a orientação sexual, é a da idade, alimentada pelas novas gerações de filhos que, pela primeira vez, lidam com a concorrência dos seus pais e dos seus avós. A insuficiência das possibilidades médicas, a violência do quotidiano e do trabalho, as imensas mortandades geradas pelas guerras, até há poucas décadas, limitavam-na. Agora, para o bem e para o mal, aqui está ela, em todo o seu esplendor.

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