Benformoso, que nunca desilude nas imagens na TV 

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“O exercício do poder é um teste à verdade”, escrevia Balladur, uma bela frase. Pode isto ser aplicado a qualquer poder do Estado? Seguramente que sim – e não apenas ao poder de colarinho branco. 

O trabalho da PSP, como é sabido, é o de controlar a criminalidade. Pode e deve fazê-lo. Mas quando o resultado, tal como se ouvia nas notícias, de uma operação especial de prevenção, realizada “ao abrigo da Lei das Armas”, e preparada ao longo de meses, no centro de Lisboa, é a apreensão de um arsenal composto por uma faca, é relativamente difícil aceitar esse processo e esse resultado como bom. Ou, para ser mais rigoroso, de acordo com o comunicado, “435 euros “com suspeitas de proveniência de actividades ilícitas”, (...) sete bastões (madeira e ferro), 17 envelopes com fotos tipo passe (material suspeito de envolvimento em atividades ilícitas), ⁠3435 euros em numerário, um passaporte e diversos documentos por suspeita de auxílio à imigração ilegal, ⁠581,37 gramas de produto estupefaciente que se suspeita ser haxixe, uma arma branca (faca com mais de 10 cm de lâmina), e um telemóvel que constava como furtado.” (Público, 20 de dezembro de 2024). Nem discuto a distinção dos 435 euros iniciais dos demais 3435 numerais apreendidos ou a legal e previdente suspeita de poder vir a ser haxixe um produto imediatamente apelidado de estupefaciente nos seus 581,37 gramas de ameaça, na sempre complexa organização concetual dos comunicados policiais. 

O crime é como a demais atividade realizada por humanos: procura-se, encontra-se, apreende-se. Mas parece-me que há motivo para alguma apreensão adicional. Quando numa operação especial de prevenção criminal preparada com zelo ao longo de meses, numa zona alegadamente de elevada criminalidade, se apreende, ao fim de horas, uma faca, por muito ameaçadora que possa ser na sua ultrapassagem de 10 cm de lâmina... Uma idêntica operação especial de prevenção criminal se realizada, vá, em Valpaços, teria com forte probabilidade mais 300% de sucesso na apreensão de armamento. Não devo ser absoluto neste juízo, mas, para quem age ao abrigo do artigo 109.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, talvez não sejam imediatamente coincidentes a expetativa e o resultado. Ou seja, talvez possa ter havido ali algum desfasamento entre a intelligence obtida e o resultado atingido. Talvez. 

Se a justificação é a elevada criminalidade reportada às autoridades policiais naquele bairro, talvez idênticas operações possam ser desencadeadas um pouco ao lado, na Avenida da Liberdade, com grande probabilidade a rua de Portugal com mais crime denunciado, como sempre o tem sido historicamente. Encostar às montras da Louis Vuitton alguns estrangeiros durante umas horas seria um bom começo. Não é sequer preciso grande esforço de análise, já que toda a gente sabe que a criminalidade reportada, se é disso que estamos a falar como critério, se concentra em Lisboa na zona Baixa-Chiado-Misericórdia, onde há turistas e residentes para roubar e onde há atividade noturna bastante desregrada. Se é para haver visibilidade da polícia, aconselho o Largo de São Paulo ou a zona junto ao rio entre o Cais do Sodré e Alcântara, a partir das onze da noite. Em caso de necessidade, até online está uma tese muito interessante e cheia de informação, de Ana Sofia Rodrigues Vinhas Moreira, Geografia da Criminalidade no Município de Lisboa: Análise Espacial de Suporte ao Policiamento Comunitário, Universidade do Porto, 2022. Não sei se foi lida pela PSP, mas que alguma utilidade poderia ter...  

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