Ave, Marcelo, aqueles que são minoritários te saúdam
Um quarto de século após o fim da XFM, a rádio que se dirigia a “uma imensa minoria”, os portugueses ouviram uma revisitação menos aspiracional do antónimo de maioria. No discurso que marcou a rentrée do PS, no encerramento da Academia Socialista, em Tomar, Pedro Nuno Santos criticou a “agressividade com que um Governo absolutamente minoritário” ataca o seu partido.
Compreende-se que Pedro Nuno Santos sacuda a pressão decorrente da relação complicada da Aliança Democrática com os partidos que aritmeticamente lhe garantiriam maioria confortável à direita do PS. Tanto o Chega como a Iniciativa Liberal deram sinais claros de que poderão votar contra a proposta de Orçamento do Estado que será entregue na Assembleia da República, pelo que a aprovação depende da abstenção socialista. Em boa verdade, sempre assim sucederia se André Ventura e Rui Rocha optassem pela abstenção, pois a soma da esquerda parlamentar (englobando a equidistante deputada única do PAN) supera, por uma dúzia, os grupos parlamentares do PSD e do CDS. Como ficou demonstrado desde o início desta legislatura, qualquer coisa relevante (ou que não o seja) depende do PS e/ou do Chega, e da leitura que tais partidos façam das consequências de contrariar quem foi chamado a governar.
Com a Casa da Democracia transformada em laboratório da Teoria dos Jogos, com três blocos interdependentes no presente, e de olhos postos no espírito da correlação de forças futura, o “absolutamente minoritário” brandido por Pedro Nuno Santos peca por escapismo: também o PS, que “quase empatou” com o PSD, padece de minoritarismo, com o segundo menor número de deputados eleitos neste século, apenas mais quatro do que nas Legislativas de 2011, marcadas pela implosão do socratismo e pela assinatura do Memorando de Entendimento que, perante o descalabro das contas públicas, abriu portas à troika.
Visto que, mesmo do alto do seu crescimento eleitoral, o Chega é ainda mais minoritário do que a AD e o PS, com 50 deputados sem encaixe no puzzle, prevalece o único que pode dizer que teve mais de metade do eleitorado consigo. E não houve tempo em que Portugal mais precisasse de Marcelo Rebelo de Sousa no seu melhor. Sem açúcar nem afetos, com ponderação e sabedoria, guiando os minoritários do poder e os minoritários da oposição para consensos que, respeitando os pontos principais da vontade de mudança expressa nas últimas Legislativas (menos impostos, melhores cuidados de saúde e crescimento económico que trave a emigração), possam vir a ser traduzidos na aprovação do Orçamento do Estado para 2025.
O tempo é de Marcelo, que tem neste (e no próximo) processo orçamental a melhor oportunidade para deixar uma boa última impressão da sua década na Presidência da República. Não é por acaso que há poucas semanas, num restaurante lisboeta de nome evolucionista, pouco distante do Palácio de Belém, um antigo primeiro-ministro debatia, num almoço com um ex-ministro, a impossibilidade constitucional de dissolver a Assembleia da República no último semestre do mandato de Marcelo, e nos primeiros seis meses após a eleição de um sucessor que poderia até estar sentado àquela mesa.