Autonomia e Responsabilização

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Assinalou-se há dias, a par da República, mais um Dia do Professor, este ano muito calmo para os padrões a que temos estado habituados nos últimos anos, para não dizer décadas. Prometida uma recuperação do tempo de serviço congelado que ainda custa a chegar a muitas escolas do país, muitos foram os que se aquietaram, até pelo cansaço, ficando na expectativa de outras medidas, algumas das quais carecem de mais ou menos longa negociação.

Entre estas avultam três, que se podem combinar em duas, conforme a revisão do estatuto da carreira docente contemple um capítulo específico para o caso dos dirigentes escolares, que reclamam por condição distinta, ou surja no contexto de uma reforma do modelo de gestão escolar.

É a esta questão que gostaria de me dedicar, até porque tem andado muito escasso o debate público sobre uma anunciada alteração do modelo de gestão escolar criado pelo Decreto-Lei 75/2008 e revisto pelo Decreto-Lei 137/2012, quiçá por estarem as negociações a decorrer menos na esfera da Educação e mais na das relações do Estado Central com o Poder Local.

O modelo que temos, apesar de proclamar a Autonomia como um dos seus princípios nucleares, optou por implementar um modelo único, centrado na figura do director, argumentando que essa solução organizativa permite uma maior “responsabilização” pela gestão praticada, atribuindo poderes formais de fiscalização ao Conselho Geral.

Embora continue por fazer um balanço da eficácia deste modelo, existem alguns indicadores que me permitem, numa leitura que assumo enviesada pela desafeição pelos modelos napoleónicos assentes na lógica da nomeação e da submissão hierárquica, considerar que nem tudo tem corrido bem. Sei que não é matéria consensual, mas sinto a tentação, acredito que simplista, de associar a cristalização deste modelo à evolução divergente entre os resultados dos alunos na avaliação interna das escolas e o desempenho que começou por estagnar e depois minguar nos testes internacionais.

Por isso, é tempo de rever a matéria, reconfigurando o modelo de gestão escolar de acordo com os próprios princípios enunciados pela própria tutela, nomeadamente:

A autonomia - deve ser reservado às organizações escolares o direito de optarem pelo modelo que consideram mais adequado para a sua gestão, nomeadamente a opção entre a via unipessoal, que atualmente é a única permitida, e a colegial, que existiu durante mais de três décadas. Esta possibilidade de escolha era permitida, por exemplo, com o Decreto-Lei 115-A/98) bem mais flexível nesta matéria.

A responsabilização - ao contrário do que é afirmado com frequência pelos apoiantes do modelo em vigor, não é a concentração de poderes e competências numa só pessoa que facilita a “responsabilização”, mesmo se essa é a solução mais simpática para a tutela, na tal lógica de subordinação hierárquica. Considero que é bem mais claro um modelo em que a escolha seja feita entre equipas cujos elementos têm uma responsabilidade funcional previamente definida, do que deixar tudo a uma pessoa que depois escolhe quem bem entende para o “ajudar”. Em paralelo, as próprias lideranças intermédias só ganham em ser escolhidas pelos pares e não nomeadas, pois só assim existe um real sentimento de partilha no processo de tomada de decisões.

Que o assunto é complicado e merece maior desenvolvimento é coisa sabida, pelo que é bem provável que tenha continuação na próxima semana.

Professor do Ensino Básico

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