As margens: as feitas de lucro e as feitas de pessoas
Semana passada, pequeno evento contratual, sem grande relevância. A necessidade de comprar uns quantos produtos de farmácia, não carecendo de receita médica, preguiça de ir fisicamente a farmácias e pouco tempo para o fazer, pesquisa no Google, em tentativa de descoberta e aquisição rápida. Um dos primeiros resultados apresentados, com preço indicado e imediatamente disponível: de uma farmácia nas Astúrias, Espanha, entrega imediata dos produtos, e com venda a um terço do preço habitual nas farmácias portuguesas. Que maravilha, na perspetiva do consumidor! Os mesmos produtos. Compro. Entrega realizada passadas 18h da encomenda, em casa, sem qualquer dificuldade ou atraso. Com a fatura devida, eletrónica e em papel. Com a aplicação do IVA devido, em Espanha, menos de metade do IVA aplicado em Portugal. Não só poupei 80 euros na encomenda, como recebi o que queria, em casa, menos de 24 horas depois do pedido.
Está-se, no caso, a falar de produtos indiferenciados, universais, que se vendem em grande parte do mundo. Curiosamente há farmácias nas Astúrias a vendê-los e a enviá-los para Lisboa a um terço do preço habitual das farmácias portuguesas e a entregá-los em casa do cliente, em Lisboa, pela mão dos ”Correos” espanhóis, de acordo com os e-mails que recebi, na manhã do dia seguinte à compra.
Este é o ideal da globalização e do funcionamento do mercado interno europeu, certo?
Mas o que se passa com o nosso mercado e com as suas margens de lucro? Não estão a ir seguramente para as pessoas que trabalham... Nem sequer são anuladas a benefício do alargamento do mercado ou da captação de novos clientes. O que justifica que uma pequena farmácia de Gijón, nas Astúrias, possa colocar em Lisboa, em casa do cliente, os mesmos produtos que se vendem na rua ao lado do comprador, mas a um terço do preço típico praticado em Portugal e de forma muito mais expedita do que se a mesma compra online fosse feita a um vendedor nacional?
Sim, somos um mercado pequeno, desde logo comparado com Espanha, aqui ao lado. Mas os nossos salários são também inferiores, as cadeias de distribuição mais curtas, a geografia mais limitada. Nada disso pode beneficiar o consumidor final? Este é um exemplo da uma aquisição farmacêutica pessoal em 2024, mas também, recordo-me, em funções então na administração de uma empresa em Lisboa, como era, já há duas décadas, francamente mais fácil, mais barato e mais conveniente comprar diversos produtos e serviços em Espanha do que em Portugal. Na perspetiva típica da empresa, que é a de comprar ao menor custo para o melhor resultado.
Do ponto de vista deste fornecedor espanhol, das Astúrias, com menos custos e margens seguramente envolvidas, e um mercado mais amplo, vender para Lisboa é igual – ou melhor – do que vender para Sevilha, Ceuta ou Palma de Maiorca. Mas pode-se também perguntar, com alguma legitimidade: onde estão os fornecedores portugueses? Poderiam, eles mesmo, vender para as Astúrias, para a Catalunha, para as Baleares, aí colocando os produtos em 18h? O salário mínimo em Portugal é de 740 euros, em Espanha é de 1050 euros. Os produtos são os mesmos, internacionais, provavelmente até produzidos fora da Europa e adquiridos, por todos, ao mesmo distribuidor e talvez ao mesmo preço.
As pessoas decidem por diversos motivos – e o primeiro é o preço. O preço de venda, aqui, era um terço do preço habitual. Menor a tributação, é certo. Mas muito melhor o serviço ao cliente, por exemplo. Portanto, o futuro próximo, nesta área, como provavelmente noutras, é a da substituição de um negócio, corporativo, monopolista, milionário, regional, sem seguramente a devida recomposição pelo trabalho às pessoas que nele trabalham, por um outro paradigma: vão ser as pequenas farmácias das Astúrias, e bem, a fornecer os seus clientes portugueses, a um terço do preço, e no dia seguinte à encomenda. Basta esperar pela próxima geração de compradores. Pode bem o Estado despejar dinheiro sobre a realidade, que a realidade, pelos vistos, dirá sempre que as suas margens são mínimas e decisivas para a sua continuidade básica – nem que seja a manutenção dos Porsches e Lamborghinis dos sócios.