As falhas do Estado na violência doméstica

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Kátia, Isabel, Hermínia, Alzira, Rosa, Fernanda, Ivone, Maria, Gurpreet, Kevin. Estes são os nomes de algumas das vítimas mortais de violência doméstica em 2024 que também poderiam ter sido recordados pela ministra da Justiça na cerimónia de abertura do ano judicial, em que o tema mereceu destaque nos discursos. Rita Alarcão Júdice deixou uma interrogação centrando-se no caso mais recente: “O que temos a dizer aos filhos de Alcinda Cruz?” [foi morta no dia 10 de janeiro pelo marido].

A resposta à responsável pela pasta da Justiça não é fácil. E a ministra não tem uma varinha mágica para resolver as questões de violência doméstica. Porém, pode fazer mais do que recordar vítimas e dizer que a estratégia para combater este crime passa pela prevenção, como frisou em entrevista ao DN. Nessas declarações acrescentou, entre outras preocupações, que tem de se perceber “onde está a falhar o Estado”.

Aqui chegados Rita Alarcão Júdice podia começar por ler o que disse ao Público, numa entrevista publicada no dia 9, a procuradora-geral-adjunta jubilada Raquel Desterro, coordenadora da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica (EARHVD): “Há muitas instituições que falham. (...) Falha o Governo, falham os ministérios, todos por igual, o Ministério da Justiça, o Ministério da Saúde, o Ministério da Segurança Social, o Ministério da Administração Interna: todos têm falhas.”

Acrescento: nessas falhas surgem situações como a de mulheres que vão apresentar queixa por violência doméstica que acabam arquivadas e, mais tarde, têm desfechos fatais. Aliás, como aconteceu a Alcinda Cruz, que em 2022 terá feito na PSP uma participação contra o homem que agora a matou e que terá sido arquivada.

A coordenadora da EARHVD aponta nessas declarações outro atraso: desde 2021 que está para aprovar uma portaria de compatibilização entre a lei de violência doméstica e a portaria que regula o procedimento da equipa de análise.

Recordo uma decisão mais antiga: em julho de 2019 o Conselho de Ministros, liderado pelo agora presidente do Conselho Europeu António Costa, aprovou medidas para prevenir e combater este crime. Por exemplo, referia-se a harmonização e interoperabilidade das bases de dados oficiais sobre violência doméstica ou a criação de redes de urgência de intervenção urgente de âmbito territorial, envolvendo todos os agentes no terreno, disponíveis 24 horas por dia. Mas não há conhecimento público sobre os efeitos das sete medidas.

A terminar: se o Governo quiser passar das palavras aos atos, talvez seja boa ideia ouvir o que terão a dizer os elementos da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima ou da União de Mulheres Alternativa e Resposta.

Talvez assim se possa passar dos discursos à ação.

Editor executivo do Diário de Notícias

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