Aprendamos com Trump a defender a Europa
Em Portugal há um militar a entrar na vida política. Em Espanha há um que a deixou. Agustín Rosety, General de Brigada jubilado de Infantaria de Marinha, abandonou com estrondo o VOX, partido da direita radical populista, pelo qual foi deputado entre 2019 e 2023. Alegou discordâncias insanáveis com a política internacional do partido, mais ou menos ao mesmo tempo que Santiago Abascal, presidente do VOX, regressava a Espanha após participar na Conferência de Acção Política Conservadora, em Washington, hoje convertida numa Internacional Trumpista.
O velho fuzileiro não discrepará muito dos valores que vêm do lado de lá do Atlântico. Nem perderá a compostura perante o infantilismo truculento que os propaga. O problema está na defesa dos interesses de Espanha e do partido. Rosety defende uma aproximação às posições de Giorgia Meloni e o afastamento do caminho trilhado por Viktor Orbán. Leia-se, não contemporizar com Moscovo.
Está bem documentado o apoio da Federação Russa ao separatismo catalão na preparação e execução do golpe independentista em 2017, o mais grave ataque à ordem constitucional de Espanha desde o período de transição democrática. É evidente que Putin terá tanto interesse pelo ideário separatista como pelo Carnaval de Loulé. Mas viu nele uma via eficaz para desestabilizar uma das principais economias da zona euro e a arquitectura institucional da União Europeia. Os fins justificaram os meios. O que, de resto, explica como a Rússia arregimenta colaboracionistas nos extremos direito e esquerdo da política europeia.
Ora, o VOX deve o seu crescimento eleitoral a este golpe. Erigiu-se em barreira capaz de travar as pulsões independentistas que ameaçam a integridade territorial de Espanha. Oferece união - ou unionismo - em resposta ao separatismo. Rosety percebe que o fim do projecto europeu trará menos soberania, não mais, como julgam as cabeças menos frequentáveis (e frequentadas) do seu campo político.
Há outros problemas. Como criticar os ataques da extrema-esquerda espanhola à Constituição e às instituições quando se está de mão dada com o vice-presidente J.D. Vance, que se mostra favorável a uma concepção popular e directa de democracia? Como denunciar as ingerências do PSOE na Justiça quando tiram selfies com Trump?
Como pode a direita que se diz valente fustigar a esquerda que organizou um cerco ao parlamento quando respalda o homem que instigou a ocupação do congresso norte-americano? Como pode o VOX censurar o desdém do Presidente de Governo Pedro Sánchez por uma comunicação social plural quando está ao lado da actual Casa Branca? Como vencer a guerra cultural quando Trump transformou o combate ao wokismo numa atracção de feira para animar as hostes?
Estas são as perguntas mais óbvias numa longa e penosa lista de interrogações. E nada disto são especificidades espanholas. Por cá, quando o assunto é a Ucrânia e futuro da Europa, o Chega corre o sério risco de se tornar indistinguível do PCP.
Talvez haja aqui uma lição para os partidos do centro. A Europa pensa a relação entre Estados com base em ideais plasmados num quadro normativo romântico. Pelo contrário, Washington e Moscovo orientam-se pelo pragmatismo dos interesses. Aqui chegados, façamos o mesmo. Apaziguar Moscovo não serve os interesses europeus, ainda que seja um passo lógico para as prioridades externas dos Estados Unidos da América. Não precisamos de gostar de Zelensky, de acreditar no vigor moral da Ucrânia, nem ter grande entusiasmo pela Ordem Liberal. Basta perceber que paz é um conceito exigente, muito mais ambicioso do que a mera ausência de guerra, e que qualquer acordo com Putin será um curto interregno na violência destinada a enfraquecer a Europa.
Politólogo.
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico.