Amina Bouayach, Prémio Norte-Sul 2023

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Foi com surpresa que reencontrei Amina Bouayach na terça passada, nas boas-vindas da Embaixada de Marrocos à galardoada. Acompanhei de perto o seu trabalho entre 2011/2014, durante o meu “momento de residente primaveril” em Rabat! As associações de direitos humanos em Marrocos, constituíram aliás dois pilares importantes durante o processo da Primavera Árabe em Marrocos, sobretudo na manutenção dos equilíbrios. Porquê?

Porque se por um lado serviram de “chapéu-de-chuva federador” de todas as associações desirmanadas umas das outras e sem força, por outro foram “consciências das linhas vermelhas” que balizaram todo o processo.

Amina Bouayach faz parte deste mecanismo de “freios e contra-pesos” que, no seu caso particular, à frente do Conselho Nacional de Direitos Humanos de Marrocos, tem uma abordagem particular, em três fases. A primeira, já referida, baseia-se na dinâmica da interacção entre organizações não governamentais, Estado e actores institucionais. No fundo, esta primeira fase equivale à “terapia de grupo dos povos de tradição oral”, onde a “palavra solta na assembleia” é garante de equidade! A segunda fase é digamos, “profundamente islâmica”, já que procura o “consenso impossível”, donde decorre a discussão escatológica que cansa e conforta e donde resulta uma redundância, o “consenso geral”, que mais não é “a maioria que pula e avança”! Por fim, a abordagem inclusiva de Tânger a Lagouira, do interior ao Atlântico, no desafio dos direitos da Mulher e da abolição da Pena de Morte, princípios básicos para um desejado desenvolvimento civilizacional, que verá frutos de bem-estar e conforto, já que a equidade também alavanca o económico.

Por isso mesmo, o Embaixador de Marrocos, Othmane Bahnini, disse no seu discurso, “o meu país tomou como opção o respeito pelos direitos humanos”, desde já um legado a celebrar em julho, por ocasião dos 25 anos de reinado de Mohamed VI. Tudo leva o seu tempo e as mentalidades nunca se mudam por decreto! Este, marca um limite e o exemplo dos últimos anos, foi a reforma/revisão do artigo 475.º do Código Penal, no permanente debate que a Primavera Árabe proporcionou, para alinhamentos e “consensos gerais”. Este artigo, relativo à violação, abuso, assédio sexual e perda-de-virgindade, viu o Parlamento abolir por unanimidade (jan.2014), a segunda alínea do mesmo, a qual ilibava o violador, caso este se disponibilizasse a casar com a vítima! Este anacrónico ónus duplo sobre A Mulher, foi uma das bandeiras levantadas por Amina Bouayach, na “janela de contestação mais lata” que a Primavera de 2011 abrira. Após a discussão, esboço e aprovação da nova Constituição, havia que continuar uma “correcção de tiro” que transporta Marrocos definitivamente para o século XXI. O mote estava dado e demais artigos (486.º a 496.º) do mesmo código foram questionados e debatidos, já que “entravam na cama com o súbdito”, relativamente ao concubinato e respectivas definições do que é forçado e do que é opcional, às liberdades individuais e ao direito à privacidade, bem como das respectivas penas a aplicar. Tudo revisto, tudo expurgado e actualizado com o calendário gregoriano!

Neste capítulo, dos direitos humanos e da política, “o relvado nunca fica completamente podado”, imagem que ilustra um trabalho sem fim, sempre com avanços e recuos. Parabenizamos uma amiga conhecida na agitação do momento em que tudo o que foi descrito no texto estava a acontecer, desejando-lhe energia extra para o que ainda está por vir. Bon Courage, cher Amina. Mabrook, Mabrook, Mabrook!

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