Alcochete, cidade satélite
Dificilmente um governo encontraria maior conforto para tomar uma decisão deste calibre. E dificilmente poderia optar por um caminho que contrariasse o consenso manifestado pela Comissão de Acompanhamento.” Este foi o parágrafo final da minha crónica de há dois meses sobre a decisão de localização do novo aeroporto de Lisboa. Esta semana, o ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, fez o anúncio que seria, a meu ver, inescapável: será em Alcochete e vai avançar já. Uma boa notícia, uma boa decisão.
As premissas para a decisão eram quatro: era necessário resolver o bloqueio aeroportuário da Portela e o impacto de ter um aeroporto praticamente dentro da cidade; a Comissão Técnica Independente (CTI) entregou atempadamente um extenso relatório sobre a localização, pontuando Alcochete em primeiro lugar; existia um forte consenso político, técnico e social, bem refletido pela decisão conjunta de PS e PSD criarem a CTI e pela inequívoca aprovação do respetivo relatório por parte da Comissão de Acompanhamento constituída para o efeito; por fim, a existência de condições financeiras para arrancar com o projeto, quer por via das obrigações contratuais da ANA, que explora um negócio altamente lucrativo.
Na decisão anunciada pelo ministro relevo três aspetos muito importantes. O primeiro é o facto de resultar de uma “parceria” - bem sei que parece estranho - entre dois governos, um do PS e outro do PSD. Tratando-se de um investimento de grande vulto, esta continuidade do processo de decisão deve ser vista como muito positiva na perspetiva do interesse nacional. Claro que, no jogo político-partidário, cada um procurará puxar para si o mérito maior, mas tudo isso faz parte.
Um segundo aspeto é a abertura de um ciclo de projetos estruturantes de grande envergadura que acredito irá galvanizar o país. Ao anúncio do aeroporto foi associada a ligação ferroviária em alta velocidade Lisboa-Madrid, que se junta à já em curso Lisboa-Porto-Vigo, bem como a terceira travessia do Tejo. Este conjunto de investimentos de futuro puxam Portugal para o século XXI, arrepiando caminho face a outros que começaram mais cedo, como é o caso de Espanha. As obras, que se prolongarão por algo como dez anos, vão dinamizar as empresas portuguesas de projeto, construção, materiais, logística, para referir apenas algumas, vão gerar emprego - sim, muitos imigrantes, mas também muitos portugueses que não emigrarão -, vão gerar impostos diretos e indiretos e também receitas críticas para o equilíbrio da Segurança Social.
Por fim, a opção de Alcochete configura o desenvolvimento de uma cidade aeroportuária que funcionará como cidade satélite de Lisboa. Todos sabemos que é importante descongestionar a capital, que apresenta sinais claros de saturação urbanística devido, sobretudo, à limitação imposta pela existência de um largo estuário. A “nova” cidade terá como âncora toda a dinâmica empresarial e económica de um hub aeroportuário, à imagem do que se observa noutras grandes capitais. Mas existe também uma oportunidade escondida que é obrigatório explorar: a da habitação.
Associar a Alcochete um gigante projeto imobiliário acessível à classe média, com as ponderações urbanísticas que o salvaguardem do impacto ambiental da operação aérea, pode ser o game-changer do problema habitacional da região. Tendo Pinto Luz também esta tutela no seu ministério, teria aqui a sua bala de prata para fazer mexer o ponteiro da oferta de fogos, ainda por cima a expensas de promotores privados.