Ainda as mulheres refugiadas

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Na preparação de uma aula aberta sobre Refugiadas em função do género e da orientação sexual, decidi procurar países no mundo em que existe algum tipo de perseguição sobre estas pessoas. No que toca aos homossexuais, transexuais e demais membros da comunidade LGBTQIA+ encontrei vários sites com o mesmo mapa: Estados em que estas pessoas são punidas com penas desumanas e degradantes: em 2024, sete puniam práticas homossexuais com pena de morte. Assim, homossexuais que sejam perseguidos nestes países podem, à luz das normas europeias, pedir asilo na UE.

Passei depois à busca de mapas referentes a perseguição contra as mulheres. E aí a coisa agravou-se. Não era só um mapa. Eram vários. Percebi que tinha de fazer mais e mais slides, numa mórbida explicação de todas as formas existentes para oprimir, torturar, prender, matar e mutilar mulheres neste mundo, apenas porque são mulheres.

Comecei com um slide com países em que as mulheres não se podem considerar seguras: tudo a vermelho, laranja, preto, e umas manchas tímidas a verde. Um arrepio. Ok, isto é chocantemente “normal”. Sigo.

Slide com países que não punem a violência doméstica: mais de 20, entre Rússia, Médio Oriente e faixa do Sahel; seguem-se países que impõem às mulheres, sob ameaças várias, o uso de vestimentas específicas; países onde é praticada ou legalmente possível a mutilação genital feminina; países em que existem casamentos forçados e infantis; e mais mapas e mapas… sinto-me fisicamente nauseada: países em que o adultério praticado por mulheres é punido com penas desumanas; países em que se praticam crimes de honra, incluindo o homicídio contra mulheres adúlteras para lavar a honra da família…

Chega a hora de colocar um ponto final, sob pena de a aula ser um desfilar de horrores e não uma aula de Direito.

Infelizmente isto não é uma história exótica de países distantes: no meio dos sítios onde se praticam crimes de honra encontram-se agora o Canadá, o Reino Unido, a Itália e o Brasil, pois algumas comunidades migrantes levaram esta infame prática para estes territórios.

No ano de 2024, o Tribunal de Justiça da UE confirmou que vítimas de violência doméstica que aleguem que o seu país não as protege devidamente podem receber asilo na UE. O caso foi marcante também pelo facto de envolver um Estado que não se encontra na pior posição dos mapas referidos: a Turquia.

Assim, os Estados-membros da UE devem conceder proteção internacional a estas mulheres, quando estas não a recebem nos seus países. Mas ao mesmo tempo, não podem ter qualquer tipo de paternalismo cultural e tolerar tais práticas nos seus territórios: que punamos, sem desculpas, com a lei penal vigente, todos os atos plasmados nestes mapas. Que persigamos até à exaustão quem mata, tortura, queima, oprime mulheres e meninas entre nós. Sem exceções. Sem desculpas.

Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Investigadora do Lisbon Public Law

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