A Ucrânia tem passado, nos últimos meses, por sérias dificuldades militares no campo de batalha, fruto de dois problemas centrais: falta de recursos humanos militares e falta de equipamentos militares diversos e munições..As faltas de equipamentos e munições resultaram duma quebra do seu fluxo do lado ocidental, principalmente dos Estados Unidos, devido à dificuldade de aprovação, pelo Congresso, de um pacote de ajuda militar de cerca 61 mil milhões de dólares. Entretanto outros países ocidentais, em especial europeus, incrementaram a ajuda militar, tentando cobrir a “falha americana”, onde se revelaram, mais uma vez as suas dificuldades em termos de capacidade industrial de Defesa e a constatação da impossibilidade de sucesso da Ucrânia, sem o apoio contínuo dos Estados Unidos, com a necessária ajuda europeia..A aprovação, pelo Parlamento ucraniano, da nova Lei de Mobilização, cujo processo também foi politicamente muito demorado, irá contribuir para o início da resolução do problema de efetivos das Forças Armadas ucranianas, que irá recrutar cerca de 150.000 jovens de imediato, podendo ir, a prazo, até aos 300.000 efetivos..Entretanto, a Rússia aproveitou estas dificuldades ucranianas para progredir no Donbass, na frente leste, e para atacar de forma mais efetiva infraestruturas críticas ucranianas, especialmente na área das indústrias de Defesa e de energia, fruto da baixa da capacidade de defesa antiaérea, em virtude da falta de mísseis e sistemas de defesa aérea. E abriu-se uma nova frente a norte, na Região de Kharkiv, com um ataque limitado russo nessa região, esticando a frente de combate no sentido de criar mais dificuldades operacionais à Ucrânia. A determinada altura temeu-se o pior, mas, a resiliência e a manutenção do moral e da vontade de combater dos ucranianos, conseguiram ir contendo as investidas russas, com pequenas perdas de território, é certo..A Rússia, contrariamente à mensagem que tenta passar, também tem experienciado elevadas perdas em pessoal e equipamentos militares, havendo informações de que as suas perdas humanas se centrem entre os 1300 a 1500 militares por dia e que, em termos de materiais e equipamentos militares, estará a consumir diariamente tudo aquilo que consegue produzir ou importar, ou seja, estará no limite da sua capacidade de sustentação logística..Claro que a Rússia possui reservas de material militar, que já tem vindo a utilizar, mas são de tecnologias antigas e sem grande capacidade de incrementar vantagens militares substanciais no campo de batalha. Em termos de recursos humanos continua a mobilizar para reconstituir unidades e tem vindo a utilizar mercenários, muitos de origem africana, sob o chapéu de companhias militares privadas russas, mas sob controlo do Ministério da Defesa russo..A estratégia russa para esta guerra sempre assentou na sua curta duração, pois uma guerra de longa duração será mais difícil para a Rússia ganhá-la. Ao contrário, uma vitória da Ucrânia só será possível numa guerra de média/longa duração, a não ser que houvesse um descalabro militar russo, com implicações políticas internas, o que não será fácil antever no curto prazo. Assim, a grande questão que se coloca à Ucrânia é: como ganhar esta guerra? Uma estratégia, adequada em termos de capacidades, exequível em termos de recursos disponíveis, e aceitável em termos políticos (da Ucrânia e Aliados) é a resposta. Como alguns (muitos) afirmam é necessário construir uma teoria ou doutrina para a vitória, pois uma derrota da Ucrânia abrirá a caixa de Pandora duma instabilidade estratégica global. Negociações de paz nesta altura, com a postura de Putin de desrespeito completo pela soberania ucraniana, não iriam produzir nenhuma solução aceitável para a Ucrânia, nem para os seus parceiros..Claro que, se esta estratégia tivesse sido gizada em 2022, tudo teria sido mais fácil, mas a falta de alinhamento estratégico entre os parceiros ocidentais era uma realidade que evoluiu, positivamente, nos últimos tempos. Todas as guerras, mas em especial as de longa duração, exigem uma visão estratégica que apoie um planeamento adequado para a mobilização atempada e sincronizada de recursos e capacidades. Em suma, passar da postura reativa atual para um modo estratégico proativo, baseada numa avaliação clara e detalhada da guerra e que efeitos ela deve produzir..Em termos muito sucintos, qualquer estratégia digna desse nome deve ter, à cabeça, um estado final desejado a conseguir. Sem esse estado final desejado não será possível fazer o planeamento estratégico adequado. E o planeamento deve equacionar e dar respostas aos principais problemas estratégicos que são identificados..O estado final desejado deve ser elaborado pela Ucrânia, mas ter o apoio dos seus principais aliados e parceiros, devendo enunciar os objetivos políticos a atingir. Um exemplo poderia ser:1) restaurar a soberania sobre as fronteiras de 1991 (que inclui a Crimeia);.2) regresso de prisioneiros de guerras, cidadãos deportados e crianças raptadas;.3) julgamento dos crimes de guerras e compensações indemnizatórias;.4) reconstrução da Ucrânia e sua integração na arquitetura económica e de segurança europeia e transatlântica..A resolução dos problemas estratégicos dará indicações do como atingir estes objetivos, que será o fulcro da ação estratégica nos diversos vetores de atuação. E, é aqui, no “Como?” que será mais difícil haver um alinhamento entre parceiros e aliados, mas que terá de ser construído com discussão e perseverança..A parceria transatlântica, sob a liderança dos Estados Unidos, e com aliados e parceiros das democracias de todas as latitudes, tem agora uma oportunidade única (e última, talvez) de desenvolver uma estratégia de longa duração para apoiar a Ucrânia e, simultaneamente, conter a Rússia de Putin..Relativamente aos problemas estratégicos por solucionar, listo alguns deles: em primeiro lugar, integrar a Ucrânia no sistema económico europeu e nos mecanismos de segurança transatlântica; em segundo lugar, desmantelar/degradar a capacidade de a Rússia aceder a recursos, em especial financeiros, e ultrapassar o regime de sanções; em terceiro lugar, degradar e combater a capacidade russa de produzir desinformação; em quarto lugar, reformular a capacidade industrial de Defesa do países democráticos; em quinto lugar, apoiar a economia ucraniana e fortalecer a sua democracia; em sexto lugar, apoiar a Ucrânia a realinhar a sua estratégia militar, em consonância com a visão duma guerra de longa duração..As possíveis soluções para estes problemas exigem discussão rápida e assertiva, o que não será coisa pouca. Sobre alguns dos assuntos já existem plataformas de entendimento, de nível bilateral e multilateral, que ajudarão a conceber soluções exequíveis e aceitáveis pela maioria dos aliados da Ucrânia..Será necessária a liderança firme e resoluta dos Estados Unidos e dos Aliados Europeus, para se identificarem as soluções possíveis, mas adequadas, para resolver estas questões e outras, que condicionam e potenciam a execução desta estratégia, que permita uma vitória da Ucrânia (e da Democracia em termos globais), nesta contenda com a Rússia de Putin. Voltarei, numa próxima oportunidade, a uma reflexão mais aprofundada sobre as vias para as possíveis soluções destes problemas estratégicos.