A violência sexual não pode passar impune
A violência sexual é um problema antigo, transversal, estrutural. Sabemos que estamos muito longe de resolver este problema - como nos mostram os números aterradores da violência doméstica, como aumenta a violência no namoro, como nos mostra o aumento do discurso de ódio nas redes sociais, como nos mostram as notícias dos últimos dias.
O aumento do número de violações sexuais - e o número preocupante do número de violações praticadas por adolescentes - mostra como temos um problema sério de desigualdade, de misoginia, de não respeito pelo outro, de completa desconsideração por raparigas e mulheres. Não são casos isolados - é uma conivência transversal com este desprezo, esta desconsideração, esta violência contra as mulheres. Não são apenas os agressores que estão aqui em causa, é também quem assiste e nada faz. Quem assiste e acha normal. São os milhares de pessoas que viram o vídeo de uma violação em Loures nas contas de três supostos influencers e não a denunciaram. São os milhares de pessoas que viram os anúncios de Dominique Pelicot para homens desconhecidos violarem a sua agora ex-mulher e nunca denunciaram. São os 70.000 homens que estão num canal de Telegram onde se partilham fotografias e vídeos não consentidos de raparigas e de mulheres, algumas delas menores de idade, e onde se fazem os comentários mais nojentos possível - se calhar nem todos partilham, nem todos comentam, mas estão lá e são coniventes com aquele ódio diário e aquela forma de olhar para as mulheres como algo abaixo de objeto, que serve para usar, abusar e violentar.
A violência não é inata - é aprendida, é mimetizada, é transmitida geracionalmente e agora também digitalmente. A misoginia, o ódio, a desumanização chegam sem serem pedidos aos telemóveis de tantas raparigas e rapazes, estão dentro dos bolsos e dos quartos de tantos adolescentes sem as famílias darem conta. E é por isso que temos de tratar este assunto com a dimensão que ele tem: de forma transversal e estrutural. Até porque uma sociedade com maior igualdade é uma sociedade melhor para mulheres e também para homens. Há alguma dúvida que muita da violência contra as mulheres vem também ela de um lugar de profundo sofrimento? A série Adolescência, falada por todo o mundo, é um grande exemplo de como o problema que temos em mãos não serve ninguém: é mortal para raparigas, é terrível para rapazes.
Temos muito a fazer para combater esta violência contra as mulheres, desde logo investir na educação e formação para a cidadania para os direitos humanos e a igualdade de género. Mas há algo que é prioritário e essencial: não permitir que a violência passe impune. É preciso responsabilizar as redes sociais onde é promovida, penalizar quem a promove ativamente e garantir que a justiça se faz com quem agride. Quando uma violação sexual passa impune, além de ser uma nova agressão sobre a vítima, é um reforçar da violência porque é um sinal de que toda uma sociedade é conivente.