A União Europeia em Nova Iorque
As prioridades aprovadas pelo Conselho Europeu em Junho chegam esta semana à Assembleia-Geral da ONU que está a decorrer em Nova Iorque, no debate de alto nível que aí reúne chefes de Estado e de Governo do mundo inteiro. A missão pertence a Charles Michel, que aí marcou presença como nos últimos anos.
Também esta semana, no multilateral e no bilateral, a presidente da Comissão Europeia teve a sua agenda na cidade.
Numa altura em que estava ainda fresca a resolução que enquadra o acesso à organização das figuras institucionais do Tratado de Lisboa, a agenda da União Interparlamentar permitiu-me assistir a parte de uma dessas assembleias-gerais, em que iria intervir o primeiro “presidente permanente” do Conselho Europeu. Em representação de Estados dos vários continentes, sucederam-se, como esta semana, intervenções de dirigentes de primeiro plano (dos actuais, recordo-me de nessa lista aparecerem já Erdogan e Lula da Silva, que esta semana já reuniu com Von der Leyen).
Da Europa foi ouvida, primeiro, uma boa meia-dúzia de países , incluindo membros do Conselho de Segurança . Só mais tarde chegaria a vez de Van Rampuy o fazer em nome da UE : diferentemente dos outros interventores, teve de explicar por que estava ali (antes, recordo, a solução rotativa fazia com que a representação, a esse nível, fosse assumida pelo Estado-membro que detinha a presidência do Conselho).
Sendo Durão Barroso então o presidente da Comissão, depois dessa intervenção alguns colegas da UIP doutros continentes fizeram-me perguntas sobre o orador e o seu cargo e a lógica europeia que ali o levava. E voltaram-me por isso ao espírito - de forma tão viva que me acode primeiro esse momento em Nova Iorque do que os próprios debates em Bruxelas - os argumentos trocados anos antes, quando se tratava de moldar, originariamente, o cargo que ali levava Van Rampuy.
É que, logo à partida, a distribuição de papéis no domínio da acção externa - de que a representação é dimensão relevante - entre presidente do Conselho Europeu , presidente da Comissão e um alto representante agora posicionado como vice-presidente da Comissão e presidente do Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros tornava fácil prever também problemas e efeitos negativos.
Isso levou até um jurista como Robert Badinter, antigo presidente do Conselho Constitucional francês, a defender nesse debate, com argumentos sérios, que o presidente permanente do Conselho Europeu, então em debate, ficasse, na esfera externa, com papel “análogo ao do presidente da República Federal Alemã”.
Os factos comprovariam que alguma razão estava, a seu tempo, com os que preveniam em relação aos efeitos menos favoráveis - internos e externos - decorrentes da valorização simultânea dos três cargos. Mas a vida fez o seu caminho e o Tratado de Lisboa é como é.
As limitações e demais desvantagens que têm sido vividas ao longo dos anos no que respeita à Assembleia-Geral da ONU - algumas decorrentes, também, da insatisfatória resolução que enquadra a participação da UE - não são insignificantes, mas terão, por si, um relevo limitado. Contudo, não estão ausentes noutro tipo de relações, quer multilaterais quer bilaterais (que para grande número de objectivos requererá concertações que, como já visualizámos, nem sempre se finalizam com felicidade). Esta semana, mais uma vez, os dois “presidentes permanentes” estavam, com agenda diversificada, em Nova Iorque.
Nada de anormal ou inédito, e cada um com a sua justificação própria, inclusive na letra dos tratados. Mas de há anos para cá muitos dos sinais emitidos têm potencial para diminuir e não para somar.
Com a Europa mais “soberana” ou mais “provincial”, é este um domínio em que haverá muito para fazer no próximo ciclo político, mesmo sem alterações nos tratados. Se as soluções forem procuradas apenas sob o mote do “espírito de equipa”, o preço a pagar poderá ser elevado, como se pressente na estrutura e composição do órgão cujos membros irão em breve passar pelo crivo dos parlamentares europeus.
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico