A União Europeia deve mesmo alargar-se?

Publicado a
Atualizado a

Leio os programas políticos de quase todos os partidos portugueses que concorrem às eleições ao Parlamento Europeu e espanto-me com a quase unanimidade em matérias que, em princípio, dada a sua natureza, deveriam ser polémicas.

Por exemplo: quase todos os partidos estão de acordo em não questionar o alargamento do número de membros da União Europeia (há 9 países candidatos) e até há quem defenda o “dever moral” de o fazer.

Não sei qual é a superioridade moral inerente a uma entrada na União Europeia, penso até na livre e democrática Inglaterra, que saiu há quatro anos da UE... será que passou a ser um Estado “moralmente inferior”?...

Sei que a entrada de mais países a leste, vizinhos da Rússia, politicamente instáveis, trará com ela um adicional de aumento de tensão política, aproximando-nos mais de uma escalada de guerra com Putin.

Mas mesmo que isso não estivesse em causa, ou que o confronto direto com Putin possa acontecer independentemente deste alargamento, a entrada de países do leste europeu significa que o foco político, os assuntos que se tornam prioridade, as decisões que se passam a tomar, a distribuição de dinheiro, as estratégias económicas e geopolíticas, tenderão a ser muito mais centradas nos interesses específicos dessa parte da Europa, que é a que geograficamente está mais distante de nós e a que mais diverge dos nossos interesses especificamente nacionais, e que o pensamento geral europeu passe a ser completamente dominado pelas visões e tensões politicas dessa parte do mundo.

Se todos esses países entrarem na UE teremos um bloco de 20 estados que estiveram, durante a Guerra Fria, sob influência soviética, o que inclui a Bulgária, Chéquia, metade da Alemanha, Estónia, Croácia, Letónia, Lituânia, Hungria, Polónia, Roménia, Eslovénia e Eslováquia, atuais membros da UE, e a que se juntarão a Albânia, Bósnia-Herzegovina, Macedónia do Norte, Montenegro, Sérvia, Ucrânia, Moldávia e Geórgia. Este bloco passará a ser maioritário na União.

Seis destes países saíram da guerra civil que durante 10 anos, de 1991 a 2001, dilacerou a Jugoslávia e provocou 150 mil mortos (há quem defenda que foi o dobro ou triplo disto), alguns deles provocados por outros países da União Europeia que intervieram nesse conflito através de uma ação da NATO no Kosovo, não autorizada pelas Nações Unidas.

Os sérvios, por exemplo, eram nessa época vistos pela Europa ocidental como uma espécie de “párias” desta parte do mundo e é duvidoso que a maioria deles se tenha esquecido disso.

Há, portanto, nestes 20 países, uma história comum, contemporânea a muitas pessoas que lá vivem, que os une e os divide de forma radical e que nada tem a ver com o das pessoas da Europa Ocidental, de Portugal, França, Espanha, Holanda, Luxemburgo, Áustria ou Grécia, que o resultado da II Guerra Mundial acabou por unir.

A entrada destes países significa trazer para dentro da União Europeia estados politicamente instáveis e onde pululam forças políticas fortes com cariz nacionalista e anti-Europa ocidental, outras de cariz étnico, outras de afirmação religiosa (seja cristã ortodoxa, seja islâmica), outras pró-russas.

Temos o exemplo da Bósnia-Herzegovina onde há partidos pró-sérvios, pró-croatas e pró-bósnios e quase metade do território tem uma população sérvia que pensa seriamente em declarar a independência da sua região. Há também partidos fortes pró-sérvios em Montenegro, pró-albaneses na Macedónia do Norte, para não falar das dilacerantes divisões da Ucrânia entre pró-russos e pró-União Europeia, que são uma das bases da guerra atual.

É esta enorme confusão que se quer meter na União Europeia (e nem falo aqui de outro candidato, a Turquia, uma potência que tem o 13.º PIB do mundo por Paridade de Poder de Compra e 85 milhões de habitantes) através de um processo em que populações como a portuguesa estão, na prática, afastadas do debate acerca das consequências desse alargamento, reduzindo-se a conversa política ao que significaria para a Política Agrícola Comum a entrada do gigante dos cereais que é a Ucrânia e à necessidade de uma nova política de fundos comunitários.

Uma coisa é certa: se todos estes países entrarem na União Europeia nos próximos anos é quase certo que o argumento de Bruxelas de ser fraca a eficácia da governabilidade no atual quadro institucional faça o seu caminho e, então, cairá de vez a regra da unanimidade no Conselho Europeu para aprovar medidas europeias – o único travão real para abusos – passando a vigorar a regra da maioria – e, a partir daí, Portugal, um país periférico, será ainda mais secundarizado, contará cada vez menos... É isto que queremos?

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt