A Ucrânia e a ética
Não há muito que se possa fazer contra isso, salvo aprender que não se esgotará facilmente a lista das razões que levam os donos do poder a transformar uma "geração em risco" do que pensam dever ser o futuro. Só que a crise atual deixa conhecer mal os reais detentores do poder, o que piora a circunstância em que vivemos. Todavia, no plano em que atua essa invenção que foi o Estado, tem de registar-se o crescente movimento de protestos da sociedade civil que passa por ser sua criadora, contra a criatura que se libertou e parece obedecer a leis próprias de subsistência e evolução. Mas aquilo que sobretudo avulta é o clamor pelo regresso ao perdido tipo de sociedades éticas, cuja matriz cultural profunda radica em valores superiores que as gerações reverenciam.
Inscreve-se neste movimento Maomé, apelando para o Livro que sustentou. Peregrino na Europa, e pregando aos católicos dos Estados Unidos da América, anda o expulso Dalai-Lama a consagrar monges e clamar por um regresso à ética de que se considera depositário. Finalmente, a explosão do Verbo que se chama a invocação de Francisco de Assis pelo novo Papa da cristandade, incansável, dando sinais de verberar os vícios em todos os lugares, porque aquilo que encontra em todos eles é o Estado desvinculado duma ética superior, e por isso ágil na manipulação das culturas e das crenças, e a exigir a nova evangelização.
Dizia Vieira no Sermão da Terceira Dominga, pregado na Sé de Lisboa: "ora eu vos quero conceder o que não tendes, e supondo convosco, que verdadeiramente podeis tudo; ouvi agora o que ignorais, e porventura nunca ouvistes. Cuidais que o poder tudo consiste em não haver coisa alguma a que não estenda o vosso poder, e é engano manifesto: o poder tudo, consiste em poder algumas coisas, e não poder outras: consiste em poder o lícito e o justo, e em não poder o ilícito e o injusto; é só quem pode, e não pode desta maneira, que é todo-poderoso". No começo de 1868, a Rússia czarista, que ocupa a Polónia e suprime brutalmente o levantamento, indignando Victor Hugo. O defensor dos povos redigiu em fevereiro seguinte um apelo ao exército russo: "soldados russos voltem a ser homens, o que vós tendes diante de si não é um inimigo é um exemplo". Se substituirmos o nome da "Polónia" pelo de "Ucrânia", este texto inflamado não perdeu a sua atualidade. Victor Hugo é, segundo Judith Perrignon, o defensor dos povos, sempre presente sobre a frente da justiça e da liberdade.
Entre nós foi o Doutor Eduardo Pereira Correia que fez uma tese de doutoramento que prefaciei sobre "O Presidente da República em Democracia - Comandante Supremo das Forças Armadas". Escrevi o seguinte: "Este livro é seguramente uma das mais importantes contribuições para a temática do constitucionalismo, com especial proposta de conceitos traduzindo o significado das normas que definem a função do Presidente da República como Comandante Supremo das Forças Armadas". Sendo Portugal membro das Nações Unidas onde aceitam as declarações de direitos dos povos e dos homens, e a paz como valor permanente para salvaguardar a Terra que é a morada comum dos homens, certamente o primeiro dever deste Comandante Supremo das Forças Armadas, aliás como constitucionalista, é vigiar o comportamento e a intervenção ética das Forças Armadas.
Curiosamente, sendo muito plural o número de concorrentes à última eleição de Presidente da República, não me recordo de ter visto que era eleito também como Comandante Supremo das Forças Armadas. Nas suas intervenções sobre a paz do mundo, nunca omitiu a defesa da legalidade das obrigações que Portugal tem perante as Nações Unidas, e portante sobre todos os povos da morada comum dos homens que é o Planeta, que proibiu armas biológicas há cinquenta anos, embora a ameaça continue viva. Por isso, o Papa Francisco, depois de ter consagrado o Mundo aos Sagrado Coração de Maria, não deixou de reprovar a Rússia pelo excesso de criminalidade em relação a pais, mães e filhos, não militares, e condenando em nome dos princípios éticos da Igreja essa criminalidade. A sua enérgica intervenção, voltou a exercê-la no Domingo passado, na Missa de Ramos, no Vaticano. Mais uma vez se demonstrou como um grande Papa que não esqueceremos.