A trumpização da América

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Ao contrário de 2016, não foi um triunfo curto e questionável. Foi uma vitória clara, também no voto popular e em todos os Estados decisivos. O povo americano é soberano e decidiu, em liberdade. Fica, por isso, responsável pela escolha livre que entendeu fazer.

Há 20 anos que um candidato republicano não ganhava o voto popular. Trump teve ganhos em segmentos improváveis. Subiu quatro pontos nos condados com mais de 50% de licenciados; teve ganhos enormes nos homens hispânicos e nas mulheres brancas, dois segmentos decisivos para a sua grande vitória.

A contradição democrática: permite que quem não respeita as suas regras possa vencer

Em vez de ter sido censurado em definitivo, 6 de janeiro de 2021 foi premiado e, de algum modo, legitimado pelo voto popular. A grande contradição é que quem ganha, com legitimidade, não reconheceria se o outro lado tivesse ganhado. E isso é uma espécie de jogo sujo: a Democracia, para quem ganhou, só vale se o resultado for positivo para um lado.

Biden, que sucedeu a Trump, será sucedido por Trump. É assim a Democracia. Mas com uma diferença fundamental: Trump perdeu para Biden em 2020 - não admitiu e não foi à tomada de posse do sucessor. Biden não só admite a derrota da sua vice como, certamente, irá à tomada de posse do seu sucessor.

Em Democracia é tão digno ganhar como perder. E é nestes momentos que se percebe quem é verdadeiramente democrata e quem gosta verdadeiramente da Democracia dos EUA.

A vitória de Trump é preocupante para a Democracia americana, mas pelo menos é clarificadora. A metade do país que perdeu não tem forma de pôr em causa a legitimidade política de quem ganhou.

Nem Obama, nem Biden reuniram todo este poder: Trump nomeou três juízes jovens para o Supremo (pode nestes quatro anos vir a nomear mais um ou dois, caso Alito e Thomas abram vaga); controla o poder político e fica com caminho para mudanças dramáticas e duráveis na estrutura política e judicial dos EUA.

A primeira Presidência Trump ainda teve, na fase inicial, elementos credíveis e com qualidade, como os generais Mattis (Pentágono), McMaster (Conselho de Segurança Nacional) ou Kelly (chief of Staff). Ainda Bolton e Tillerson, entre mais alguns outros. Mas todos foram saindo, incompatibilizados com o presidente, dizendo cobras e lagartos sobre o seu caráter, ética e comportamento. E manifesta falta de preparação em temas como a Defesa, a Política Externa ou a Segurança Nacional.

Não se espera nada disso desta vez: o critério de escolha, no lugar da credibilidade e da experiência, serão a lealdade e a obediência.

O julgamento político da Presidência Biden fez-se ontem à noite.

O final do mandato, até 20 de janeiro de 2025, arrisca-se a ser politicamente penoso. Os democratas começam, agora, uma mudança geracional, acabada que foi a longa era Clinton/Obama/Biden. Para uma máquina de poder como o Partido Democrata, que ocupou a Casa Branca em 12 anos nos últimos 16, será doloroso e demorado. Mas absolutamente necessário.

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