A terra e o mar
Na busca da linha dos interesses comuns, o europeísmo avulta entre as correntes que se tornaram dominantes nos últimos e recentes anos. Deu até origem a formulações que, com fundamento ou sem ele, dividiram profundamente as opiniões: foi a alternativa entre a conceção retangular do país, que seria europeísta, e a conceção ultramarina, que seria a herdeira da tradição. Novidade apenas a teve a primeira, e por isso essa é a que requer maior análise e reflexão. Sem esquecer que muitos dos europeístas repudiaram admitir que a sua conceção fosse oposta a uma expressão ultramarina permanente do país. Compatível ou não com a tradição ultramarina, o certo é que faltou sempre a essa corrente a definição da Europa que lhes servisse de modelo a propor e de pólo de atração. Ou, visto do outro lado, faltou-lhe sempre a definição das Europas que repudia. Não parece uma interpretação abusiva admitir que o modelo mais em vista, ao falar-se do europeísmo necessário, é o do Mercado Comum. Ora este não representa senão uma pequena parte da região que chamamos Europa. Não compreende nem se confunde com a Europa dos neutros, onde se incluem pelo menos a Suécia, a Finlândia, a Suíça e a Áustria; nem com a Europa dos satélites, que não precisa, para o ser, da contiguidade geográfica; nem com a Europa dos pobres que exporta gente para a Europa dos ricos e desta recebe salários, enquanto a Europa dos ricos exporta capitais e produtos e recebe juros, dividendos e lucros.
A este irrecusável pluralismo tem de somar-se o facto essencial de que a Europa dos ricos, ao tomar forma, implicou o processamento da autonomia e personalização das regiões dentro de cada um dos países interessados. Tal processamento tem em vista a eventual definição de uma função, para cada uma das regiões, diretamente em relação ao grande espaço económico organizado. Por isso, não há doutrina europeísta que não tenha de incluir uma discussão sobre a identificação, não só dos países, mas também das regiões que podem servir de testemunha para o modelo proposto.
O que tudo apenas parece demonstrar que a Europa, além de não ter uma força autónoma, não tem ainda sequer sentido político, que tal sentido, por muito debilitado que se encontre, apenas o tem o Ocidente em que se integra, e que provavelmente é na linha do ocidentalismo que podem encontrar-se os parceiros políticos necessários. Isto significa Atlântico e quem nele domine, com as amarras que existem noutros lugares do Mundo. De qualquer modo, este é um dos problemas básicos que reclamam definição e opção para o entendimento e uso do fator internacional da conjuntura, tendo sempre em vista que não há substitutivo internacional para o poder. Seja qual for a resposta, é evidente que não há violência verbal que mude os factos, que altere os interesses, que convença o governo. A quase-tradição de dizer umas palavras duras na cara das grandes potências pode servir o emocionalismo interno, mas não adianta um passo às solidariedades necessárias.
O exemplo da NATO é concludente. Durante anos, todos os países beneficiados pelo Plano Marshall e alinhados na NATO, alimentaram os brios nacionais no ataque aos EUA, e sintetizaram os despertados sentimentos populares no repetido convite aos Americanos para que regressassem a casa. Quando a Administração americana deu um primeiro sinal de aceitar o convite, a perturbação não pôde ser maior, e os apelos europeus ao sentido da responsabilidade pela defesa comum não poderiam ser mais instantes. Só desde então parece datar a compreensão de que aquilo que se impunha era redefinir e reequilibrar, com dignidade e sabedoria, os interesses recíprocos. A nova face da política atlântica está hoje em fase de meditação, que o conflito israelo-árabe tornou urgentíssima. Admitindo que vale a pena meditar sobre o ocidentalismo, e que este problema caracteriza a conjuntura de maneira mais incisiva e evidente do que o seu aspeto menor do europeísmo incipiente e sem força política, imediatamente avulta o problema das relações luso-brasileiras. Não vale a pena repetir aqui observações e comentários bem sabidos a respeito da importância da Comunidade, mas em oportunidade que se medite sobre o que se chama, entre nós, o novo estado de espírito. Faz parte dessa novidade insistir no velho projeto do Atlântico mare nostrum e, mais recentemente, na proclamada convicção de que viremos a ser uma superpotência, umas vezes com o Brasil, outras sem ele. De qualquer modo e sempre, a doutrinação do interesse que o Brasil tem em contar com Portugal para a realização do sonho brasileiro. Sem analisar o bom fundamento e oportunidade desta linha de proclamações, ocorre meditar sobre se não haverá outras perspetivas que valha a pena considerar. A interdependência é planetária. Estamos no Mundo, sem alternativa. No Ocidente, por fatalidade e responsabilidade históricas.