A revolução silenciosa dos dados
Longe de serem meros números, os dados tornaram-se a matéria-prima essencial para a gestão de empresas e instituições públicas. Desde registos de compras e padrões de mobilidade, até indicadores de saúde, desempenho escolar ou tempos de espera nos serviços, os dados, quando devidamente recolhidos e analisados, deixaram de ser estatísticas abstratas para se tornarem no alicerce discreto de decisões mais informadas, eficientes e transparentes. Deixamos de atuar por intuição ou seguindo rotinas enraizadas, para passar a ter políticas públicas baseadas em evidências concretas.
Tomemos como exemplo dois setores particularmente sensíveis em Portugal: saúde e justiça.
A instabilidade nas urgências hospitalares, com encerramentos que passaram de exceção a regra, comprova a urgência de uma gestão baseada em dados. A monitorização em tempo real da afluência, da capacidade hospitalar, da disponibilidade de equipas médicas e das taxas de ocupação permitiria uma resposta mais ágil e eficaz. A análise preditiva — como padrões de procura em determinados dias ou épocas — poderia antecipar constrangimentos, otimizar a alocação de recursos e orientar os utentes de forma mais eficiente.
Na justiça, a morosidade dos tribunais continua a ser um problema estrutural, já responsável por várias condenações de Portugal em instâncias internacionais. A análise de dados processuais permite identificar gargalos: onde os processos se arrastam, que tipos de casos são mais demorados ou quais as fases mais críticas. Com essa informação, é possível implementar reformas cirúrgicas, redistribuir recursos humanos e até prever a duração de determinados processos. A digitalização e o uso de inteligência artificial — como já se verifica na experiência piloto do Conselho Superior da Magistratura — podem automatizar tarefas repetitivas e acelerar a tramitação.
E os exemplos multiplicam-se. Dados permitem identificar padrões de utilização de serviços, níveis de risco em áreas como a segurança e a fiscalização, e pontos de fricção para os cidadãos. Se um serviço online regista uma elevada taxa de abandono num passo específico, os dados funcionam como um alerta imediato para a necessidade de intervenção.
Por fim, os dados são também um pilar da transparência democrática. A disponibilização de dados abertos por parte do Estado — sobre políticas públicas, indicadores sociais ou orçamentos — permite que qualquer cidadão, jornalista ou investigador possa escrutinar a ação governativa. O desafio, claro, está em garantir que essa utilização é ética, segura e responsável, protegendo a privacidade e reforçando a confiança pública.
Em tempos de crescente complexidade, os dados são mais do que instrumentos de apoio: são a infraestrutura invisível que sustenta decisões, políticas e inovação. Na administração pública, como em tantos outros setores, têm o poder de desencadear uma revolução silenciosa.
Ex-deputada ao Parlamento Europeu