A reconciliação do PS começa com todos
Em março de 2024, na noite eleitoral em que Pedro Nuno Santos perdeu as primeiras Legislativas, assumiu – de forma relativamente humilde – que tinha compreendido a mensagem dos portugueses e chamou a si, como um líder deve fazer, a responsabilidade pelo resultado eleitoral (mesmo sendo claro que nem tudo é culpa do líder, muito menos de um líder com apenas três meses de funções). Desde logo: os oito anos de governação; o esbanjamento de uma maioria absoluta; as trapalhadas cometidas ao longo desse tempo. Enfim, tudo culminou naquela noite, levando o então secretário-geral do PS a admitir a necessidade de o partido se reconciliar com os portugueses.
Ao longo do ano que passou, o PS foi dando condições de governabilidade, apesar de ter optado sempre por um caminho que, a mim pessoalmente, me pareceu duvidoso do ponto de vista do sucesso político-eleitoral (como se veio a confirmar). É que dar condições de governabilidade, mas fazê-lo aos “berros” e com a atitude de “todos lhe devem e ninguém lhe paga”, não parece ser muito eficaz. A espaços, fui referindo que, com a viragem da Europa (ou do Ocidente) à direita, seria necessário ocupar o centro. Como, aliás, já havia sido dito por um anterior primeiro-ministro: enquanto o centro – seja de esquerda ou de direita – der respostas adequadas aos problemas reais das pessoas, os extremos não crescem.
Nessa esteira, o secretário-geral do PS foi afirmando a sua social-democracia – embora, apesar de compreender a necessidade de descolar da imagem tradicional da esquerda, o esforço tenha sido grande sobretudo em termos de comunicação. Ainda assim, continuo a acreditar que Pedro Nuno já me havia ultrapassado pela direita há muitos anos – e disse-lho várias vezes, em tom de brincadeira, quando nos encontrámos ao longo do tempo em que essa conversão foi ocorrendo.
Mas 2025 não foi um bom ano para o PS, nem para Pedro Nuno Santos. Na verdade, não foram apenas os resultados eleitorais que falharam. A responsabilidade não deveria recair apenas no secretário-geral, já que a derrota foi estrondosa e o aparelho partidário não aguentou o impacto nem conseguiu segurar grande parte das suas praças fortes.
Será que a reconciliação prometida em 2024 não teve tempo para se consolidar? Julgo que o busílis da questão vai mais longe e que o corte é mais profundo: é que, não só no último ano, mas há já vários anos, tem imperado uma tese no PS que, salvo melhor opinião, precisa urgentemente de ser revertida. Refiro-me à ideia de que “só faz falta quem cá está”.
Ora, esta forma de ver a política, a sociedade e a vida trouxe o PS ao resultado de terceira força política no parlamento, e pode acarretar consequências trágicas no plano autárquico. Não é verdade que só faça falta quem cá esteja. Todos somos poucos. Aliás, diria mesmo que somos quase sempre os mesmos em todo o lado. O PS tem de se reconciliar com os seus militantes antes de procurar reconciliar-se com os portugueses. Não podemos estar bem com os outros quando não estamos bem connosco próprios.
Quando falo desta reconciliação entre militantes do PS, refiro-me, por exemplo, a um reencontro com os seus antigos secretários-gerais (sejam ou não ainda militantes do partido). Até porque, se assim não for, nunca será possível que o PS faça um verdadeiro “toca a reunir” com dimensão unificadora. O exemplo mais claro é o das eleições presidenciais. Como pode um militante do PS, antigo secretário-geral, equacionar candidatar-se à Presidência da República sem ter o apoio do seu próprio partido? O titubeante posicionamento da direção nacional do PS quanto ao apoio a um dos seus leva os militantes – e, consequentemente, os portugueses – a duvidarem.
O Papa Francisco, na Jornada Mundial da Juventude em Lisboa, deixou uma expressão que muito tem sido repetida: “Todos, todos, todos.” É altura de o PS fazer o mesmo e perceber que a reconciliação com os portugueses começa com a reconciliação com os militantes: todos, todos, todos.