A questão esquecida de Olivença

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Em 20 de Maio de 1801, Portugal foi invadido pela Espanha, sem qualquer razão ou motivo, que não fosse a ambição desta em repartir o País entre si e a França napoleónica, com que se tinha, entretanto, aliado.

Também, não terá sido alheio à campanha militar a vaidade e o reconhecido oportunismo político do comandante das forças invasoras, Manuel Godoy, valido da coroa de Espanha e favorito da rainha consorte, Maria Luísa, à época.

Foi a denominada “Guerra das Laranjas”, da qual resultou a perda definitiva (?) da Praça de Olivença, em que o desastre militar e a incompetência política que lhe estiveram na génese, reflectiram bem a falta de capacidade e a desmoralização das forças lusas, na altura.

Na verdade, o poder político há muito que tinha votado, na prática, ao estado de abandono as questões da Força Armada e da Defesa do reino, sendo responsável por um Exército desorganizado, mal comandado, com os efectivos diminuídos, as fortalezas desmanteladas e defendidas escassamente em homens e em armas, e estas, por sua vez, envelhecidas e em deficiente estado de funcionamento, na maioria dos casos.

Mais tarde, em 1817, a Espanha viria a reconhecer a soberania portuguesa sobre Olivença, quando subscreveu o diploma resultante do Congresso de Viena (1815), comprometendo-se à devolução dos territórios ilegalmente, por si, anexados, compromisso que, entretanto, como se sabe, nunca veio a cumprir.

Embora, Portugal nunca tenha reconhecido a soberania espanhola sobre a região, em linha com o estipulado pelo Tratado de Alcanizes (1297) sobre o traçado da fronteira luso-castelhana, contudo também nunca assumiu a vontade de reivindicar, de modo firme e determinado, os territórios usurpados.

Decorridos mais de dois séculos sobre a anexação de Olivença, a Espanha continua a manter uma política de facto consumado sobre esta questão, da qual, tudo indica, não tenciona desviar-se, não considerando qualquer diálogo político e diplomático com Portugal, como recentemente bem ficou patente nas palavras do presidente do Governo da Extremadura espanhola, ao afirmar que: “…Olivença é espanhola desde 1801 e  vai continuar a ser…”

Tamanha arrogância não se deverá estranhar, uma vez que, na realidade, a Espanha tem-se limitado a apostar no silêncio cúmplice do Estado português e da sua diplomacia sobre a exigência que deveria colocar, sem dilações, nem reservas, no respeito dos direitos que lhe assistem sobre uma parcela do território nacional, que lhe foi retirado ilegalmente, e pela força.

A passividade e o conformismo da posição portuguesa sobre o assunto ficaram mais uma vez evidentes numa recente entrevista do ministro dos Negócios Estrangeiros português a um periódico nacional, quando, nas vésperas de uma cimeira luso-espanhola, questionado sobre a questão de Olivença, afirmou: “…a posição do Governo português é a posição de todos os Governos anteriores. Esse ponto não é um assunto que esteja na agenda… não consta da mesma, nem constará... portanto, a posição do Governo português é a posição de sempre…” Assim, por outras palavras, quem cala, consente, dizemos nós…

De assinalar, ao invés, a posição espanhola no empenhamento que assume relativamente a Gibraltar, reclamando, de forma reiterada, os direitos que entende ter sobre o território, cedido à Inglaterra, nos termos do Tratado de Utrech, em 1719.

Tudo isto vem a propósito das interpretações críticas e abusivas das palavras do ministro da Defesa Nacional, aquando das comemorações do Dia do Regimento de Cavalaria n.º 3, em Estremoz, unidade centenária do Exército Português, sediada que foi em Olivença, até à data da sua anexação, em1801.

Fazedores de opinião, alguns a soldo de interesses pouco claros, outros, simplesmente, para fazerem prova de vida, a par de algumas entidades políticas - estas por ignorância ou mero oportunismo partidário -, apressaram-se a criticar vivamente as afirmações do ministro, que falou, a título pessoal, sobre a questão de Olivença, da ilegalidade da sua anexação e sobre a indiscutível soberania que Portugal deveria deter sobre aquela parcela do território nacional, e que à luz do direito internacional, tem o dever de reclamar.

Ao classificarem as palavras do ministro como mera retórica nacionalista e passadista, considerando-as, mesmo, como uma afronta às boas relações entre os dois Estados peninsulares, prestaram um mau serviço à verdade dos factos, bem como ao direito a uma informação rigorosa e independente, por parte dos portugueses.

Reacções desta natureza enquadram-se no manto do silêncio comprometido que tem pairado sobre a questão de Olivença, sobre a falta de informação e do debate público que se impunha, a par do desconhecimento das diligências que o Estado português e a diplomacia nacional, obrigatoriamente, deveriam perseguir, no sentido da reposição integral da soberania territorial do País.

O Ministro não mentiu, nem faltou à verdade, limitando-se a dizer que Portugal não deve esquecer a anexação ilegal de uma parcela do seu território, de que foi alvo há dois séculos.

Igualmente, não mentiu, quando afirmou que, de acordo com o tratado aceite e subscrito por Espanha, em 1817, como país ocupante, Olivença deverá voltar à posse de Portugal, sem quaisquer condicionalismos ou reservas.

Contudo, verdadeiramente estranho é que aqueles que tanto clamaram contra as palavras do ministro se indignem contra a ocupação russa de territórios da Ucrânia e, ao mesmo tempo, desvalorizem e pareçam pouco importar-se com a usurpação de uma parcela do território de que o seu próprio País foi vítima, há mais de duzentos anos…

Olivença sempre foi, e é, Portuguesa.

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico.

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