A “Primavera MVI” - Há 14 anos!
A 10 de março de 2011 acordei cedo, já na casa de Harhoura/Rabat, que sabia ser a certa, após sete tentativas goradas em dois meses. Foi o início do início da minha década de 40, com Marrocos em transe, após as quedas de Ben Ali, na Tunísia, e Hosni Moubarak, no Egipto. A Primavera Árabe começara oficialmente em Marrocos a 20 de fevereiro, com o “inorgânico humanitário” das pequenas associações a manifestarem-se em todas as “capitais de distrito do reino”, sob a cobertura associativa que marcou esta época, a “AMDH”, a Associação Marroquina dos Direitos Humanos, o “grémio” melhor preparado e estruturado para reivindicar as reformas justas.
Assim nasceu o M20, Movimento 20 de Fevereiro, que acompanhei diariamente e com o qual fugi à polícia, na polémica manif da rotunda do Asswaq Salam, já em maio, creio!
Levantei-me cedo a 10, porque na noite anterior, o rei Mohamed VI tinha discursado ao reino, em reacção aos acontecimentos no Norte de África e Médio Oriente. Com hora marcada para o noticiário das 08.00 da TSF, abri com um, “a partir de ontem, é o rei que está a fazer a revolução, com o pacote de reformas anunciadas!”
De facto, comemorou-se ontem 14 anos, desde o anúncio do referendo à nova Constituição, aprovada em julho seguinte e com Legislativas em novembro, Marrocos tratou de dar certezas às ansiedades populares, antes que o ano acabasse. Reformou-se e, por isso, reforçou-se!
Quanto à Constituição de 2011, dessacralizou a figura do rei e tirou-lhe o poder de nomear o primeiro-ministro (PM), independentemente de quem ganhe as eleições. Ou seja, o PM passa a ser obrigatoriamente o líder do partido/coligação vencedor/a. Acabaram-se os governos tecnocratas e entrou-se na “política sem rede”, o que também permitiu a “experiência islamista” nos dez anos seguintes e rejeitada nas urnas em 2021.
O timing do palácio foi perfeito: em 2008 é apresentado publicamente um plano de regionalização e autonomia avançada para as províncias do Sul, ao que a União Europeia responde com um pedido de reformas políticas. O pretexto Primavera Árabe permitiu a apresentação do pacote de reformas, em forma de nova Constituição e “matar” as dúvidas trazidas a partir de Tunes e do Cairo.
Aliás, à medida que os meses vão passando e a contestação e guerra se desenrolam no Egipto, Síria e Iémen, optar por não censurar as imagens/ notícias que vinham do Levante, foi essencial para os/as marroquinos/as perceberem o preço da “zizania” e que não queriam trazer para si a desgraça dos outros!
E, desde então, Marrocos tem-se tornado uma referência-farol para África, nas mais variadas frentes.
Também é desta época o início da formação de religiosos (muçulmanos) do Mali, em terras de sua majestade, em resposta aos avanços do AQMI, no Sahel. O número de estudantes africanos a estudarem, com e sem bolsas de estudo no reino, nunca foi tão grande. A Educação, tem demonstrado ser a reforma mais silenciosa e menos onerosa. Quando bem-feita, dura décadas e com aplicações várias vezes ao dia!
Politólogo/arabista
Escreve de acordo com a antiga ortografia