A Padaria Portuguesa

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Há três semanas os acionistas d’A Padaria Portuguesa anunciaram o interesse em vender a icónica cadeia fundada em 2010 e que conta hoje com 78 lojas em Lisboa e no Porto. Esta notícia teve um impacto muito superior ao que seria de esperar de uma empresa que prevê fechar 2024 com receitas de 44M€, o que não a coloca sequer na gama das médias empresas.

A forte notoriedade da cadeia e da sua marca, baseada num conceito inovador que levou às cordas muitos estabelecimentos de bairro tradicionais, justifica, só por si, este impacto. Mas veio com ele uma onda de críticas à empresa e aos acionistas, colocando as motivações de venda numa perspetiva altamente depreciativa, a dois níveis que merecem ser vistos... mais de perto.

Em primeiro lugar as apreciações pejorativas mais veiculadas pela imprensa. Enormes prejuízos durante a pandemia, faturação like for like estagnada, margens operacionais reduzidas, distribuição desproporcionada de dividendos em 2023, uma reputação de salários baixos e um litígio com o fisco de quase 900k€.

Acresce o forte aumento nas reclamações dos consumidores, destacando-se as críticas à simpatia, eficiência e profissionalismo dos funcionários, criticando a empresa por aplicar o adágio you pay peanuts, you get monkeys.

E em segundo lugar agita-se o fantasma da cadeia inglesa Prêt à Manger que vem destruir o espaço de mercado da Padaria Portuguesa: “Eles vêm aí, temos de fugir!”

É certo que estamos a falar duma cadeia 20 vezes maior em receitas, crescimento médio anual superior a 20% e uma margem líquida de 16% num ano em que adicionou à rede 81 novas lojas - no Reino Unido, mas também em vários mercado fora. Seguramente poderão fazer sombra à Padaria Portuguesa nos próximos anos, mas o conceito é muito diferente e demorará a conquistar o seu espaço. É aqui que está a motivação de venda dos acionistas da Padaria Portuguesa ? Não creio.

Depois do período de prejuízos pesados durante a pandemia, a empresa teve dois anos de forte crescimento e uma rentabilidade razoável. Com estes dois anos pode construir um plano de negócios credível capaz de suportar um valor de saída atrativo para os acionistas - na casa de 14 a 15M€ antes da dívida, cinco vezes o EBITDA médio de 2022 e 2023.

Desconheço o investimento acumulado em capitais próprios, mas para uma empresa com estas características parece ser uma boa recompensa pelo notável esforço da sua equipa de gestão e dos acionistas ao longo de 14 anos.

Não posso terminar esta crónica sem uma nota pessoal. Sou consumidor habitual de lojas da cadeia e nunca tive a menor razão de queixa fosse do que fosse. Sempre achei o pessoal simpático e eficiente, acima da média dos locais tradicionais. As afirmações que veiculam o “disparo” na insatisfação dos consumidores da cadeia são, no mínimo, injustas face ao notável trabalho feito nestes 14 anos.

Criou-se e afirmou-se um conceito inovador que nenhum outro operador se arriscou a confrontar a esta escala. Espero que um novo acionista compreenda e preserve o ethos único d’A Padaria Portuguesa e a cadeia continue connosco muitos anos.

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