A Mudança da Relação China/África: A Geopolítica está a substituir a Economia
A relação da China com África representa um pilar da estratégia global de Pequim para rever todo o sistema internacional no sentido de uma pax sínica que substitua a pax americana, que ainda vigora, enfraquecendo o poder ocidental.
As grandes prioridades chinesas em África já não são comerciais ou económicas, mas de ordem predominantemente geopolíticas. África representa apenas 4% do comércio externo da China e o continente africano já não tem o peso energético que tinha. Face a 20088, África representa metade das exportações para a China.
Há uma mudança de Paradigma. A China está a mudar o seu modelo de importação de energia e aposta mais, agora, em modelos de governança securitários, como a participação em Missões das Nações Unidas, o Fundo China-África para a Paz e Segurança, utilizando os BRICS como canal paralelo e sondando governos africanos para que aceitem a instalação de Bases militares navais nos seus territórios, para além, claro está, do projeto de longo prazo Uma Faixa, Uma Rota, que já conta com o apoio de 46 países africanos. Por outro lado, os 54 países que constituem o bloco africano são preciosos para a estratégia chinesa a nível multilateral, desde logo nas votações nas Nações Unidas.
O “desinvestimento” acentuado da China em África tem razões endógenas e externas: o menor crescimento económico da China e a entrada ou reemergência de outros Players em África, como os Estados Unidos, atores europeus que estavam claramente a perder terreno, o caso da França, a própria União Europeia, a Turquia, a Malásia e a Rússia, este último país com a “guarda avançada” que é o Grupo Wagner a promover golpes de Estado e a capturar recursos, nomeadamente minas de ouro e outras.
Os investimentos chineses em África também diminuíram significativamente nos últimos anos, tendo descido de 11 mil milhões de dólares em 2017 para 3, 3 mil milhões em 2020. Estes números estão a refletir-se em atrasos significativos nas maiores obras com cunho chinês como a linha ferroviária de alta velocidade entre Mombaça e o Uganda, a autoestrada entre Duala e Yaoundé, nos Camarões ou o grande projeto de caminhos-de-ferro da Etiópia.
Já o volume das trocas comerciais ultrapassou o valor de 200 mil milhões de dólares, com a balança a pender fortemente para Pequim.
A prova de que Pequim está a privilegiar uma “ofensiva” com cariz eminentemente geopolítico são os sinais de securitização da sua presença em África. São sinais, porque os números não existem. Para além da significativa exportação de mão-de-obra para África, há notícia da presença de milhares de elementos de segurança provenientes da China.
No plano estritamente militar, destaque para a base militar no Djibuti ,mas várias fontes adiantam a intenção de Pequim reforçar a sua presença no continente a esse nível.
O Departamento de Estado dos Estados Unidos, no seu Relatório “Desenvolvimentos de Militares e de Segurança, envolvendo a República Popular da China” dá conta de que a China estará a sondar outros doze países africanos para aí instalar estruturas logísticas de apoio naval, aéreo e terrestre. De resto, no comunicado final da última Cimeira China-África, em Dacar, é sublinhada a “cooperação no âmbito da segurança” como ponto fundamental das relações sino-africanas. Foram ainda anunciados exercícios conjuntos para operações de manutenção de paz, combate ao terrorismo, tráfico de drogas e pirataria. Entretanto, a China tornou-se no 2º maior fornecedor de armas a África, logo a seguir à Rússia.
Basta estar a atento ao número deslocações de altos representantes dos Estados Unidos a África nos últimos 2 anos para aferirmos da renovada importância que África voltou a ter. De resto, nos últimos 2 anos a presença militar norte-americana suplantou a francesa, no continente africano. Estamos numa fase de transição no sistema internacional, numa era de mudança, mas também numa mudança de era, e a luta por recursos e apoios é cada vez mais renhida como tem demonstrado a guerra da Ucrânia.
Relativamente a África, é um continente com imensas fragilidades estruturais, industriais, pouco integrado, por questões geográficas, de relevo, de acesso ao mar, mas também por questões históricas, étnicas e culturais, só fazendo sentido analisá-la através do método alargado da Geopolítica.
Apesar dessas vulnerabilidades, não é um continente marginalizado, está inserida nas dinâmicas internacionais, é fornecedor de matérias primas aos países mais industrializados, muito diversificado e conta no sistema internacional por via do número de países que o integram, 54, pelo seu peso diplomático.
As relações políticas da China com África assentam na Realpolitik. A China apoia-se nos Estados africanos para evitar a entrada do Japão no Conselho de Segurança das Nações Unidas, explora terras raras, captura petróleo, terras aráveis em troca de uma avultada “ajuda” financeira aos países, tendo-se tornado no principal parceiro comercial do Continente africano, com a retórica do win-win, (ganhador-ganhador). O comércio bilateral com África cresceu vinte vezes em duas décadas, mas África representa apenas quatro por cento do comércio externo com a China. Os objetivos da China são outros, para além dos económicos, claramente geopolíticos, na senda da construção de um mundo sinocêntrico que substitua o atual, americanocêntrico.
África ainda está à procura do seu modelo de desenvolvimento. Já a China utiliza África como palco para a sua ascensão global. A fase do Soft Power está a dar lugar ao Smart Power, porque a competição, cada vez mais aguerrida, entre os Estados Unidos e Pequim a isso obriga!
Antigo Jornalista da Antena 1