A Moldova e o Ocidente

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A bandeira azul com as 12 estrelas é omnipresente em Chisinau, com os edifícios públicos a ostentarem-na junto com a bandeira da Moldova. Mas se o destino ocidental do pequeno país da Europa Oriental, encravado entre a Roménia e a Ucrânia, é manifesto pelo menos desde a eleição da presidente Maia Sandu, em 2020, e confirmado pelo estatuto de candidato à adesão que a União Europeia lhe reconheceu em 2022, mais do que para as bandeiras da UE devemos olhar para testemunhos como o Museu Nacional de História: um imponente edifício, antigo liceu, que ostenta no topo da fachada principal o seu nome em romeno “Muzeul National de Istorie” e tem no pequeno jardim junto da entrada uma estátua da loba a amamentar Rómulo e Remo, uma alusão ao mito fundador de Roma.

O Museu Nacional de História, em Chisinau, com a loba alimentado os míticos gémeos fundadores de Roma. FOTO: D.R. / Arquivo

Sim, estamos numa antiga República Soviética, que chegou antes a ser parte do Império Russo, mas, tal como na vizinha Roménia, a Moldova reivindica como fundadores da identidade os antigos dácios e os romanos que os derrotaram no tempo do imperador Trajano, há quase 2.000 anos.

A língua oficial do país é o romeno e no Museu Nacional de História está exposta a documentação que mostra a República da Moldova, proclamada em 1917, a juntar-se à Roménia no ano seguinte, já finalizada a Primeira Guerra Mundial. Até existe uma pintura da cerimónia de coroação de Fernando I, em Alba Julia, como rei de todos os romenos, juntando Valáquia, Moldávia e Transilvânia e mais algumas terras.

Um segundo período de dominação por Moscovo durou de 1944 a 1991, quando a República da Moldova aproveitou o fim da União Soviética para proclamar novamente a independência, um processo também explicado no Museu. Antes, houve guerra na Transnístria, uma faixa de território entre o Rio Dniestre e a Ucrânia que escapa, até hoje, ao controlo político de Chisinau e funciona quase como um satélite da Rússia, sendo povoada por muitos eslavos.

Olhando para o precedente de Chipre, um dos dez países do alargamento de 2004, a ausência de controlo político sobre parte do território pode não ser entrave à adesão de um país, até porque a Ucrânia, outro dos novos candidatos à UE,  está com vastas parcelas ocupadas pela Rússia, que formalmente até as anexou.

Mais complicado é contrariar as tentativas de influência russa mesmo nos círculos de poder de Chisinau, pois há dias um general perdeu os galões e as medalhas por ter fornecido informações militares aos russos. E também recentemente, numa conferência na Gulbenkian, Nicu Popescu, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros da Moldova, comentava com João Gomes Cravinho e Teresa Patrício Gouveia, dois antigos chefes da diplomacia, que há dinheiro russo a entrar no país para contrariar o espírito europeista. Há partidos suspeitos de preferir que a Moldova regresse à esfera de influência russa.

Não é por acaso que os moldavos veem como urgente o alargamento da UE. A invasão russa da Ucrânia trouxe-lhes um sentido de urgência em relação à adesão, e também o impacto do conflito, incluindo refugiados. Por outro lado, a estreita ligação com a Roménia deu-lhes uma noção única das vantagens de participar na integração europeia.

Nesta minha visita ao país, para participar numa conferência Aviation-Event sobre as potencialidades do Aeroporto de Chisinau, foram frequentes as comparações com a Roménia, e entre os convidados estava o presidente da Associação de Aeroportos Romenos, para troca de experiências. O facto de o romeno ser já uma das línguas da UE é uma vantagem no que diz respeito à adaptação da legislação moldava aos exigentes critérios dos 27. Popescu, numa entrevista que me deu em Lisboa quando ainda era ministro, realçava, aliás, os progressos moldavos em matérias tão importantes como a luta contra a corrupção.

Portugal é um dos países europeus que concorda com essa urgência da adesão da Moldova, e já este mês subscreveu, com mais 11 Estados-membros, um apelo à presidência belga que antes do final do semestre, ou seja até ao fim do mês, convoque uma conferência intergovernamental sobre as candidaturas moldova e ucraniana.

Entre os países signatários estão a Alemanha, a Polónia e, claro, a Roménia. Uma parte da significativa diáspora moldova vive em Portugal, alguns milhares de pessoas, e é uma comunidade bem integrada. A presidente Sandu esteve em Portugal em outubro do ano passado, e Marcelo Rebelo de Sousa retribuiu a visita passadas poucas semanas, sendo que hoje a fotografia do chefe de Estado português surge na Adega Cricova entre as celebridades que visitaram os túneis de uma antiga mina nos arredores de Chisinau, agora utilizada para envelhecimento dos vinhos. Também lá vi imagens de Durão Barroso e Luís Figo. E de Yuri Gagarine.

Os Estados Unidos estão igualmente atentos à atitude pró-ocidental da liderança moldova, e o secretário de Estado Antony Blinken visitou Chisinau em finais de maio, com um generoso pacote de ajuda de 135 milhões de dólares, um incentivo para que a sociedade moldava resista à influência russa, difícil de avaliar num país que tem na capital um Arco do Triunfo a celebrar uma vitória russa sobre os turcos e nas livrarias muitos livros em cirílico coexistem com os, maioritários, em alfabeto latino.

Num McDonald's perto do Arco do Triunfo e da Catedral Metropolitana (a Moldova é cristã-ortodoxa) um grupo de jovens contou-me que a UE é tanto a promessa de prosperidade como a garantia de que não ficam parte da Rússia. Torcem pela vitória dos ucranianos, que, dizem, vai ser deles também. Estávamos na Avenida Stefan Cel Mare, ou de Estêvão III, o Grande, da Moldávia, que governou há 500 anos, distinguindo-se pela resistência ao avanço dos turcos.

Diretor adjunto do Diário de Notícias

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