A Miss Mundo em Lisboa

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Inspirado em exemplos que viu no estrangeiro, Carlos Moedas apresentou-se como candidato à Câmara em 2021 com uma lista de propostas importadas. O “emigrante” Moedas, como ocasionalmente se autodesigna, utilizou a fórmula das candidatas a Miss Mundo, usando propostas consensuais de que ninguém se atreveria a discordar.

Em campanha prometeu uma cidade diferente, com condições para que as pessoas estivessem perto de tudo: lojas, médico, creche dos filhos… Por essa altura, o sonho não tinha limites. Dizia que, com “sistemas multiusos dos próprios equipamentos” podia ter “por exemplo escolas que durante a noite são uma sala de teatro”, tornando Lisboa uma “cidade de 15 minutos para que as pessoas não necessitem do carro”.

Não aconteceu. Pelo contrário, aumentaram as distâncias em relação a quase tudo, porque há hoje mais carros, mais trânsito, mais confusão. Os transportes públicos, menos fiáveis e cada vez mais lentos, não se tornaram a alternativa necessária. Paradoxalmente, mesmo gratuitos, alguns até perderam passageiros.

Os lisboetas já ficariam satisfeitos se, pelo menos, os equipamentos fossem mantidos. Que o digam professores e pais dos alunos das 28 escolas que precisam de obras com urgência. Em pleno século XXI, numa capital europeia, há salas de aula sem chão, com paredes e tetos escuros de humidade e salas de ginástica submersas quando chove. Nem a Miss Mundo se lembraria de propor que funcionassem como teatros à noite.

Também em campanha, Moedas anunciou a morte da ciclovia da Almirante Reis, que agora vai relançar, com obras lá para 2027, na melhor das hipóteses. O que não o impediu de, com dois anos de antecedência, escrever aos moradores daquelas freguesias pedindo desculpa pelo futuro incómodo. Porque Miss Mundo que se preze, prima pela simpatia (e autopromoção). Depois de quase quatro anos a refletir sobre a segurança das ciclovias, e da auditoria que encomendou desaconselhar novas vias partilhadas com carros, eis que Moedas reaparece para anunciar 90 novos quilómetros para bicicletas … 64 dos quais em via partilhada. Parece anedota, mas não é.

Quando chegou à Câmara, concluiu que o Orçamento Participativo, que em 12 edições permitiu aos lisboetas participarem no governo da cidade, não era tão bom como aquilo que se fazia lá fora. De França resolveu trazer outra experiência democrática, o conselho de cidadãos. Mas alguém honestamente se recorda de algo que daqui tenha resultado? Entretanto o Orçamento Participativo foi esvaziado e Moedas só se voltou a lembrar dele agora, mas quer impor novas regras que o vão desvirtuar.

E quem se lembra de quando quis mudar a linha do comboio de Cascais, que chocava “outros comissários e amigos vindos do estrangeiro” por tapar o rio? A ideia ainda evoluiu para um metro de superfície “como em Bruxelas”, até redundar em nada, porque se chegou à conclusão de que seria uma obra faraónica.

O que Moedas não copiou de França, infelizmente, foi a interdição a carros em 500 ruas da capital, nem a extinção de 10 mil lugares de estacionamento. Enquanto Paris se prepara para os efeitos extremos das alterações climáticas, por cá é preciso um levantamento popular para impedir o abate de árvores.

Questionava ele em 2021 porque é que Lisboa que “tem realmente coisas lindas, mas não vai mais além”. E garantia “é isso que nós vamos conseguir fazer”. Não conseguiu, mas ninguém pode discordar de algumas das boas ideias. Porque ninguém discorda da Miss Mundo quando ela propõe a paz.

Presidente da Junta de Freguesia de Alcântara

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