A luta contra os crimes de ódio nas polícias. É preciso mais
O Diário de Notícias revelou nesta semana o resultado de um inquérito da Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) que acusou 13 polícias da GNR e da PSP de propagarem mensagens de ódio racistas, xenófobas, homofóbicas e misóginas. Estes 13 são os que a IGAI conseguiu identificar dos 591 denunciados por uma investigação jornalística publicada em novembro de 2022, que expôs publicações que elementos destas forças de segurança partilhavam em grupos privados de redes sociais.
A abissal diferença entre o número de denunciados e de acusados é justificada por Anabela Cabral Ferreira, a inspetora-geral da Administração Interna, na entrevista DN/TSF que publicamos nesta edição, pela circunstância de a IGAI não poder infiltrar-se em grupos privados - como fizeram os jornalistas - e ter realizado a sua investigação baseando-se apenas em “fontes abertas” (ou seja, em publicações acessíveis a todos).
Os processos disciplinares terminaram com propostas de sanções para todos, mas as penas de cinco deles foram suficientemente leves para ficarem abrangidas pela Lei da Amnistia decretada por ocasião da visita do Papa a Portugal, em 2023.
As penas mais elevadas foram para um chefe e dois agentes principais da PSP, todos no ativo, classificadas como “suspensões simples” no estatuto disciplinar desta força de segurança: 120 dias de suspensão efetiva para um dos agentes principais, 90 dias suspensos por dois anos para outro e 45 dias para o chefe, suspensos por igual período.
Apologia da supremacia branca, humilhação de outras etnias, instigação à violência e à morte, ofensas a mulheres, incluindo deputadas, injúrias ao primeiro-ministro e ao Presidente da República, são alguns dos muitos exemplos do que polícias no ativo consideraram poder dizer publicamente nas suas redes sociais. Publicamente, repito. E só este facto diz muito sobre a “fruta podre” (usando a expressão forte e adequada que a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, escolheu) que existe em forças cuja função é zelar pela “defesa da legalidade democrática, da segurança interna e dos direitos fundamentais dos cidadãos, nos termos da Constituição e da lei”.
Anabela Cabral Ferreira, que dirige a IGAI há cinco anos e deixa o cargo no próximo dia 17, reconhece que “quando chegamos a esta parte repressiva em que temos que afastar a ‘fruta podre’ é porque falhou o comando, a camaradagem, a IGAI e o ser humano”.
Quando um polícia no ativo, quem sabe ainda com a sua farda vestida, se sente confortável para ir às redes sociais defender teses “repulsivas” (usando a expressão da inspetora-geral) e só nesta fase ser punido é porque passou todos os filtros referidos, desde logo os da própria Polícia.
Todos estes polícias, mesmo aqueles a quem foram aplicados os castigos mais duros, vão voltar aos seus serviços quando terminarem as suspensões.
Estão também na polícia agentes e um chefe que foram condenados no caso da PSP de Alfragide/Cova da Moura por crimes como sequestro, ofensas à integridade físicas qualificadas, falsificação de documentos, denúncia caluniosa e injúrias, com penas entre cinco e três anos e nove meses.
Também lá está um oficial filmado em direto por um canal de TV, em 2015, a agredir à bastonada e ao soco dois adeptos do Benfica após um jogo de futebol em Guimarães, e que foi condenado a três anos e meio de prisão, com pena suspensa.
Como o DN já assinalou, num artigo publicado em dezembro de 2022, manter ao serviço polícias condenados por crimes graves atenta ao interesse público, dando uma imagem negativa das corporações e uma mensagem errada ao efetivo - e uma mensagem assustadora aos cidadãos.
A um polícia “é exigível um comportamento exemplar no exercício das suas funções. Se para um qualquer cidadão a prática dos factos pelos quais foi condenado o requerente tem de se considerar grave, muito mais o é para um agente da PSP, a quem compete prevenir a criminalidade e a prática de quaisquer atos contrários à lei. O poder vir a exercer o seu trabalho, nesta fase, quer para o público em geral, quer para dentro da corporação, era estar a dar uma imagem negativa do funcionamento dos serviços, aliada a uma eventual imagem de impunidade resultante de determinados comportamentos considerados graves”, é escrito num acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte sobre um agente da PSP condenado a quatro anos de prisão efetiva por crimes de ofensa à integridade física qualificada, coação grave e abuso de poder, que procurava suspender o efeito da pena disciplinar de demissão que lhe tinha sido aplicada.
Quando os cidadãos sabem que o polícia que está na sua frente, de quem esperam defesa, pode ser um dos elementos mencionados, isso põe em causa, de forma irreparável a confiança na Polícia - que deve ser, zelando pela segurança, um dos pilares da democracia.
Os comandos devem, sim, estar atentos e ser intransigentes. Os próprios sindicatos e associações também, como estruturas representativas. Só na PSP são 20.
Ao mesmo tempo que exigem legítima e justamente melhores salários e o consagrado pela Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia “direito a condições de trabalho saudáveis, seguras e dignas”, devem ser também inflexíveis contra quem mancha a honra da sua farda.
Para não ter de se chegar à repressão, é preciso fazer mais para que agentes de autoridade não só não cometam crimes, como se os cometerem, a sua punição seja tão exemplar que previna que outros o façam.