A linha do horizonte
Cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas
Eugénio de Andrade
Não promete este ano novo de 2025, que entra hoje pelos nossos calendários adentro. A disforia vem de trás, há alguns anos que deixámos de acreditar no futuro. Passámos a temê-lo.
O mundo vive em tensão máxima, com conflitos abertos entre as principais potências mundiais e uma região do mundo, a que chamamos Médio Oriente, em vias de implosão total. A Europa tenta exibir os músculos que não tem a uma exasperada Rússia, enquanto os Estados Unidos se desligam devagar dos nossos destinos. A China escolhe a via pacífica do poder económico, mas está pronta a saltar sobre Taiwan. Todos os conflitos que estiveram mais ou menos latentes nos últimos dois séculos conhecem um período de furiosa exaltação.
Neste quadro, sinistro como uma pintura de Kiefer, resta-nos esperar pelo inesperado. As voltas da História nunca são como esperamos. E a esperança passou de uma arrogante postura científica de quem dita leis à História para uma espécie de espera messiânica de qualquer coisa que rebente as fronteiras do possível.
A destruição que o nosso instinto de morte pode causar é suscetível de conhecer formas ainda mais extremas. Mas aquilo de que o nosso instinto de vida pode ser capaz está ainda por ser visto. Nós oscilamos entre Eros e Thanatos, como o grande revelador da nossa cultura que foi o Dr. Freud nos ensinou.
O ano que passou mostrou-nos em Gaza o que julgávamos impossível atingir em destruição e crueldade. Mas vimos também a força da solidariedade e da humanidade na fotografia daquele médico palestiniano que se dirige ao seu hospital desfeito pelos bombardeamentos. Fez-me pensar noutro médico, no Dr. Rieux, personagem da Peste de Camus, que no meio da catástrofe cumpre o seu dever e nisso mesmo acrescenta humanidade à situação limite que está a viver.
A Europa deveria estar do lado da vida e não do belicismo reinante. Isso não significa ceder às chantagens de Putin ou de outros, significa apenas manter a lucidez no meio da irracionalidade ambiente. Porque somos mais fracos, deveríamos ser mais sábios.
A experiência europeia foi a de construir nas ruínas da Segunda Guerra Mundial um Estado Social (que os chamados “frugais” querem agora comprometer, para comprarmos mais canhões), uma democracia liberal consistente (que os autoritários de direita querem agora minar por dentro, para excitar os instintos de exclusão, hostilidade e morte) e um quadro regulatório da economia (que os neoliberais querem agora pôr de lado, para fazer arder a economia no brilhante fogo da especulação financeira). E se a Europa não conseguiu nem verdadeiramente unir-se nem construir uma defesa credível, tal se deveu à persistência em alguns países de agendas nacionalistas extremas e de uma permanente hostilidade à autonomia estratégica europeia da parte dos mesmos que hoje exigem maiores contribuições para a defesa comum.
Saibamos nós encontrar a linha do horizonte. A todos um Bom Ano Novo.