A liberdade académica é de todos nós

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Quando eu andava na Universidade, antes do 25 de abril, a liberdade académica não existia. Espreitava, apenas, em algumas disciplinas devido à coragem dos professores que as ensinavam. Por estranho que possa parecer, até ouvi falar de Marx, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em lições publicadas em formato de sebentas, escapando assim à censura. Os que usavam assim a sua limitada liberdade académica escaparam às malhas da PIDE e conseguiram um lugar na Universidade, mas muitos outros foram expulsos ou preventivamente impedidos de serem contratados.

A liberdade académica era perigosa para o regime, não apenas pelo que se ensinava e aprendia nos bancos da Universidade, mas também pelo que se discutia depois nos cafés da cidade e claro nas Associações de Estudantes. Mesmo no meio do fascismo, aí se formou o pensamento critico, aí se acedeu a conhecimento quase indisponível de outro modo e daí saíram, como se sabe também, aliás expulsos e enviados de castigo para o serviço militar, alguns dos que influenciaram os Capitães de abril e a Revolução.

A liberdade a académica continua a assustar aqueles que não têm respeito pela ciência, aqueles que baseiam o seu governo na desinformação, aqueles que se alimentam nas bolhas onde todos pensam da mesma maneira. Porém, neste tempo de bolhas, ela é mais importante do que nunca para pensamento crítico. Continua a ser nas Universidades que temos liberdade de discutir ideias muito diferentes das nossas, contestar o pensamento único, ouvir outros argumentos, investigar o que não parece ser de utilidade imediata, mas que se prova mais tarde ser essencial, e tudo o resto que se sabe há séculos.

Pelo seu perigo para projetos político autocráticos, continuamos a assistir a esse tipo de ataques à liberdade académica nas Universidades brasileiras durante o governo de Bolsonaro, em Hong Kong e até aqui no meio da União Europeia, na Hungria, sob o governo de Viktor Orban. A Universidade da Europa Central, teve de transferir as suas atividades de Budapeste para Viena, o Governo aumentou o seu controlo sobre a Academia de Ciências, em 2019, e foi aprovada legislação que impôs restrições às instituições de ensino superior estrangeiras, porteriormente considerada incompatível com a legislação comunitária.

Não é assim por acaso que surgem agora os ataques à liberdade académica nos EUA, começando com uma daquelas Universidades que sempre respeitámos pela sua grande qualidade, como a de Harvard. Não é um acidente de percurso, uma birra de Trump, é um projeto para continuar se não houver resistência, lá e por todo o lado, que lhe ponha termo.

A liberdade académica não é um privilégio apenas para os académicos. É um valor de interesse coletivo, uma infraestrutura essencial de toda a liberdade de pensamento e da democracia liberal. Não de espantar, por isso, que Trump e os seus seguidores tenham medo dela.

Ex-deputada ao Parlamento Europeu

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