Como nas anteriores, a semana começou com uma grande surpresa, desta vez vinda da China. Foi o aparecimento de uma nova versão no domínio da Inteligência Artificial (IA), um programa chinês eficiente e incrivelmente barato, em competição ao mais alto nível com as soluções muito caras provenientes dos EUA. Surgiu com o nome de DeepSeek e pronto para dar uma resposta instantânea nas mais variadas línguas. A novidade, que em poucas horas fez perder às empresas tecnológicas americanas, e também às europeias, centenas de milhares de milhões de dólares nos mercados de capitais, trouxe consigo duas grandes mensagens.A primeira é sobre dinheiro, mostrando ser possível investir com sucesso na IA sem despender as somas fabulosas que as grandes multinacionais norte-americanas têm gastado. A experiência chinesa parece mostrar que a capitalização das concorrentes Ocidentais está mais relacionada com a especulação bolsista do que com as verdadeiras necessidades em matéria de financiamento. São verdadeiras incubadoras de bilionários. O valor das ações das multinacionais cotadas no NASDAQ em Nova Iorque ou em certas bolsas europeias tem muito mais a ver com a ganância capitalista que com os custos científicos e empresariais das grandes corporações tecnológicas, instaladas na Califórnia e num ou outro local europeu.Esta constatação relativa aos custos traz-nos à ideia o que nos chega da Ucrânia: as Forças Armadas desse país estão a utilizar a IA em larga escala, transformando equipamento clássico em armas manobradas de modo digital. Conseguem, assim, com despesas modestas, chegar longe e bater forte, quase compensando as carências em armamento face a um agressor bem mais poderoso, e deste modo obter resultados inacreditáveis. Para que não haja dúvidas, acrescentarei de imediato que a Ucrânia faz o que pode com a ciência da casa, mas continua a precisar urgentemente de ajuda massiva em termos de defesa antiaérea, artilharia, munições, mísseis e aviões, e de muito outro material, disponível no Ocidente, mas disponibilizado de mão semifechada e braço curto, para não irritar demasiado o delinquente que vive no Kremlin.A segunda mensagem que nos chega da China é que o país está muito mais avançado em matéria de IA do que os americanos e os europeus pensam. A supremacia americana tremeu e muito esta semana. Não temos dados concretos sobre esse assunto, mas sabemos desde já duas coisas: por um lado, que Pequim considera a questão uma prioridade de primeira grandeza; e que o Presidente Xi Jinping defende que quem ganhar a corrida digital será a potência global mais forte no futuro. Essa é uma das razões que o faz apostar na anexação forçada de Taiwan, um território que tem uma indústria de ponta no que respeita à produção de nanochips, fundamentais para um desempenho de ponta da IA.A outra razão para o valor atribuído por Pequim a Taiwan resulta de uma mistura de ultranacionalismo e de ambição imperial, geopolítica. Xi tem a sorte de o presidente Donald Trump confundir, como ainda aconteceu esta semana, numa das suas derrapagens verbais, Taiwan como uma extensão da República Popular da China. O mesmo Trump que também parece desconhecer que Taiwan tem à volta de 65 mil milhões de dólares investidos nos EUA, na área das tecnologias cibernéticas.E assim se entrou na segunda semana da governação Trump. Além do dilúvio de medidas que pôs em andamento, o andar da carruagem confirma o que já se temia.A nível interno, as suas primeiras ordens executivas são potencialmente desastrosas para a economia e a estabilidade social do país. Irão acentuar as fraturas internas e poderão provocar comoções políticas graves.Na cena internacional, pode prever-se que iremos assistir ao esfrangalhar do sistema multilateral. A OMS apareceu como um primeiro alvo, por motivos de competição com a China, e não por outros. A China pode ser, e muito provavelmente sê-lo-á, a principal beneficiária da fúria da Administração de Trump contra as organizações onusianas. A própria NATO poderá ser alvo desse furor contra o sistema internacional. Não será destruída pela sanha de Trump, mas poderá enfrentar momentos de grande turbulência perante as imposições e as contradições inventadas em Washington.Ainda em matéria de política externa, Trump limitar-se-á a tratar com Benjamin Netanyahu, Vladimir Putin, ambos procurados pela justiça internacional, com Xi Jinping e com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, um especialista no esquartejamento de jornalistas, entre outras maneiras bárbaras de governar. E talvez também com o exótico, louco e assassino que é Kim Jong-un. Netanyahu estará na próxima semana em Washington, como primeiro convidado oficial. Quanto à Europa, Trump quererá ver no mapa não uma União Europeia, nem aliados de valor, mas sim uma dispersão de países que julga que já passaram à História. Conselheiro em segurançainternacional.Ex-secretário-geral-adjunto da ONU