A importância do retrovisor
Na última semana, alguém apresentado como “especialista em Educação”, apareceu em, pelo menos, duas intervenções televisivas a dizer algo como “não nos devemos preocupar em olhar pelo retrovisor”, relativamente ao passado mais ou menos recente que conduziu à atual situação de carência de professores, não apenas para substituição de ausências temporárias. Ao que parece, o que interessa é olhar em frente, pelo para-brisas, para o futuro, em busca de soluções.
A metáfora ou analogia parece apelativa, mas é errónea e causa de muitos dissabores, a começar pelos rodoviários. Olhar pelo retrovisor, quando se conduz, é uma regra básica de segurança para se evitarem acidentes. Para além de ser uma analogia (ou metáfora) errada, porque uma coisa é a relação entre passado e futuro, outra a relação entre duas coisas que se estão a passar atrás ou diante de nós. Numa falamos de tempo, em outra de espaço.
Mas, voltando à questão que motivou a metáfora (ou analogia), a tentação pelo apagamento da Memória por parte de quem se apresenta como “solucionador” não é nova e vai a par do desejo de fazer esquecer o conjunto das circunstâncias que levaram a dada situação. E, como parece óbvio, não é preciso acreditar numa História cíclica e determinista para compreender que sem conhecer os erros do passado, se corre o risco de os repetir de forma desnecessária. Devemos olhar em frente, sim, mas no contexto de um percurso, de uma evolução, não como se tudo se estivesse a reiniciar a cada momento que olhamos para diante.
Percebo que o apagamento da Memória (o retrovisor?) é muito útil quando temos interesse em eliminar o rasto do que fizemos ou deixámos de fazer. É o caso de dois ex-ministros que também tiveram uma aparição televisiva numa manhã recente, lado a lado no ecrã, como se não tivessem ocupado cargos de decisão política na área da Educação durante os últimos 13 anos. Nuno Crato garantiu que não disse o que efectivamente disse em 2012 e até fez primeira página de jornais, pelo que é facilmente verificável, e João Costa refugiou-se em medidas tardias, tomadas já de saída, que facilmente se verificou serem insuficientes ou ineficazes para resolver o problema.
É importante recentrarmos a realidade, fugindo de factos alternativas e das “narrativas” em que cada um se refugia como forma de desresponsabilização. Durante anos, alegou-se que existia um excesso de oferta de professores, porque a evolução demográfica permitia antecipar uma regressão no número de alunos. Existiram “especialistas” em previsões estatísticas com variáveis estáticas, incapazes de um olhar dinâmico sobre movimentos da população que não são de agora. E durante outros anos, fingiu-se que o problema não existia, nem que se ia agravando uma assimetria regional entre as zonas do país com oferta de professores e as zonas onde a evolução demográfica desmentiu as previsões especializadas.
A solução, olhando pelo retrovisor, pelas janelas ou pelo para-brisas, sem neblinas ideológicas, não passa pelo mecanismo do concurso - afinal, as vagas não mudam de local -, mas pelo apoio à deslocação de quem, de outro modo, acaba por optar por outras vias profissionais. A mim, parece uma equação simples relacionada com a oferta e procura. Só tem a ver com questões rodoviárias, porque implica a viagem de uns milhares de professores pelas estradas de Portugal, rumo ao Sul.