A imigração como tema na campanha eleitoral, e várias ilusões
Como era de esperar, a imigração está a ser um dos pontos mais importantes dos debates eleitorais. Isto é positivo: finalmente todos falam de imigração, que deixou de ser vista como um fetiche do Chega. Durante uns tempos, havia um curioso fenómeno em Portugal: não se podia falar deste tema, pois “alimentava a extrema-direita”. A extrema-direita cresceu à mesma, percebeu-se que era importante todos debatermos este assunto, e ainda bem.
Porém, é profundamente desanimador ver como alguns candidatos usam o tema, no seu afã de conquistar votos. O Chega promete aos Portugueses que vai adotar algumas medidas que – lamentamos muito para quem gostou delas – não podem acontecer. Porquê? Porque temos uma coisa chamada Constituição. Cinco anos de descontos para a Segurança Social, antes de os imigrantes poderem beneficiar da mesma? Até pode haver quem ache justíssimo, mas não se deixem iludir: não vai poder acontecer. O Tribunal Constitucional já decretou inconstitucional uma medida semelhante, e ela teve de ir à vida. O mesmo se diga de deportações em massa e outros tiques trumpianos. É que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos - de que fazemos parte e os EUA não – não permite essa prática.
Passemos agora ao outro espectro, o do mundo de fantasia do BE. Estão tão preocupados a falar dos seus sonhos de criança, e a atacar quem efetivamente já fez alguma coisa que, com pena minha, não chegam a explicar como concretizariam as suas fabulosas ideias. Para o BE tudo é simples, e tudo o que os outros fazem (ou não) é uma vergonha. Vejamos: querem a manifestação de interesse de volta. E casas condignas, médicos de família, escolas a falar todas as línguas, para todos. E para ontem.
Relembremos: a manifestação de interesse implica que todas as pessoas que querem entrar no território português, entrem e se regularizem decorrido um ano, se tiverem contrato de trabalho ou promessa de contrato de trabalho e descontos para a segurança social. Todas. Entretanto a culpa é do Governo se não adivinhar quem entrou, e se não criou numa semana uma fábrica de médicos, professores e membros da administração em número mais do que suficiente e, claro, multilingue e cultural-sensitive. A isto acresce um big bang de casas, tudo a preços acessíveis. Portugal TEM de abrir a porta a todos e Portugal TEM de dar condições a todos. Eu também partilhava desse sonho quando tinha dezasseis anos.
Depois, tudo o que os outros fazem é odiosamente insuficiente, uma pouca-vergonha. O Governo faz um acordo para uma imigração laboral regulada e que garanta, com um mínimo de realismo, que a mesma estará dependente de habitação e condições dignas. Salta a indignação: isto deixou muita gente de fora! Pois bem, mas já é um começo. Talvez com pequenos passos seja mais avisado. A permanente good trip do BE também vê as coisas a acontecer num dia. Se não acontecerem JÁ e na perfeição, o Governo é profundamente xenófobo.
Enfim, que o novo Governo, seja ele qual for, tenha uma profunda dose de realismo e bom-senso, muita prática de gestão de assuntos públicos e um profundo conhecimento de Direitos Humanos – porque a imigração não é sobre números apenas. E que se saiba aproveitar o que de bom no passado se fez, e continuar isso, se estiver a dar bons resultados. Pense-se ainda nas coisas que estão por fazer, como os efeitos perniciosos dos “vistos nómadas” ou a paralisia do reagrupamento familiar… Aprender com os erros dos outros e aproveitar o bom que se fez é, aliás, o que tem permitido a História avançar.
Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Investigadora do Lisbon Public Law