A guerra da Ucrânia em 2024 - resistir e (re)construir (rapidamente) as condições para a derrota da Rússia

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Estamos a caminho dos 2 anos de guerra. E o final de 2023 e início de 2024 não têm sido fáceis para a Ucrânia, o país atacado pela Rússia em 24 de fevereiro de 2022. Começando pela contraofensiva lançada no início do verão de 2023, que não produziu os resultados pretendidos e acabando nos problemas de política interna dos Estados Unidos e da União Europeia, que têm dificultado, de forma severa, a libertação de verbas para os necessários apoios ao esforço de guerra, seja ao nível económico, seja no esforço militar. Assim, a Ucrânia está, neste início de 2024, numa situação complicada, sujeita à pressão militar russa na linha da frente que, mesmo sem fazer avanços significativos, tem tido a iniciativa ofensiva, tendo as Forças Armadas ucranianas sido remetidas a uma postura global defensiva, de modo a não comprometerem a perda adicional de partes do seu território. Continua, também, sujeita a intensos ataques com drones e mísseis, com alguns resultados piores do que no passado, fruto duma dificuldade notória de obter munições e componentes para os avançados sistemas de defesa aérea que possui. A defesa aérea eficaz é uma peça fundamental da capacidade de resistir e da manutenção do moral do povo ucraniano, sendo essencial à vitoria estratégica.

Para iniciar este conflito a Federação Russa articulou uma narrativa com um conjunto de objetivos políticos e estratégicos, que ainda hoje mantém, expressos pelo seu presidente, Vladimir Putin, que se podem sintetizar em: desmilitarizar, desnazificar e tornar neutral a Ucrânia. Pretende uma Ucrânia de soberania limitada, com um Governo pró-russo, que não adira à NATO e com relações mínimas com a União Europeia. Tudo isto a Ucrânia já rejeitou, à custa de muito sangue, suor e lágrimas, e com um importante apoio, dos aliados ocidentais, com os Estados Unidos e a União Europeia à cabeça, em termos financeiros e da capacitação de combate das suas Forças Armadas. Está em causa a sobrevivência duma Ucrânia com as suas fronteiras legais de 1991, reconhecidas pela Comunidade Internacional (CI), que quer pertencer à Europa da democracia, dos valores humanistas, do desenvolvimento e da segurança. A vitória da Ucrânia nesta guerra é do interesse nacional dos EUA e dos países europeus, Portugal incluído, conforme tem sido afirmado pelos seus responsáveis políticos e pelos seus povos.

Todos temos grandes dúvidas sobre como irá ser 2024, podendo traçar-se milhentos cenários que poderão ir desde uma derrota militar da Ucrânia até à derrota militar da Rússia, com variantes diversas. Mas há certezas que temos, em termos do estado final desejado para a consecução duma derrota da Rússia. E, aqui, temos dois fatores fundamentais da equação estratégica: a vontade e a resiliência da Ucrânia por um lado e, por outro, o apoio necessário, indispensável e incondicional dos seus aliados. A vitória da Rússia de Putin terá consequências trágicas para a segurança europeia no curto/médio prazo e será um fator de peso para uma alteração drástica da Ordem Internacional atual, fundada no Direito Internacional e no respeito básico dos Direitos Humanos. Em suma, um desastre securitário e civilizacional. E, como já se percebeu, para se atingir este desiderato ter-se-á (Ucrânia e Aliados) de desenvolver uma nova Estratégia para fazer face, sem medos, à nova realidade da guerra.
Existe um diferencial em potencial estratégico, entre a Rússia e a Ucrânia, nitidamente favorável, em diversos fatores, à Rússia, nomeadamente o potencial militar, a população, recursos vários, como a energia, entre outros. Este diferencial tem de ser compensado pelo apoio externo à Ucrânia por um lado e, por outro, vulnerabilizando a Rússia no seu potencial estratégico, através de sanções mais efetivas, que reduzam a sua capacidade económica e o potencial militar, e da contribuição para o seu isolamento internacional e, muito importante, a vulnerabilização da sua liderança política, grande responsável da situação atual. Não é tarefa fácil, mas não é impossível, até porque a Ucrânia já esteve, no início da guerra, numa situação bem pior. O que é necessário é delinear objetivos estratégicos realizáveis, porque é essa a essência do sucesso da estratégia. É, também, fundamental perceber-se o que correu mal e aprender com isso, incorporando as lições aprendidas na futura, e urgente, ação política e estratégica.

Mas, relativamente ao que é necessário fazer, comecemos pela necessidade, ao nível político, de acelerar a contenção da Rússia através do seu isolamento internacional nos diversos fóruns. A Rússia cometeu graves atentados ao Direito Internacional, esteve sob pressão desde o início da guerra, mas conseguiu ir-se libertando, também por ineficácia ocidental. O conflito do Médio Oriente também retirou muito o foco da guerra da Ucrânia, mas é necessário voltar a fazer pressão. A própria ONU, tão preocupada com o Médio Oriente, esqueceu-se rapidamente que a paz e a segurança internacionais poderão estar muito mais em causa no conflito da Ucrânia, do que no conflito entre Israel e o Hamas. É necessário aprofundar as sanções, pois a Rússia continua a ter acesso à tecnologia ocidental para a produção dos equipamentos militares mais avançados, como é o caso dos mísseis hipersónicos. A possibilidade de transferir para a Ucrânia, os cerca de 300 mil milhões de dólares de ativos, dos fundos soberanos russos congelados, também deverá ser efetivada para efeitos de apoio à reconstrução do que a Rússia destruiu.

Relativamente aos apoios dos aliados, duas situações terão de ser alteradas, que muito prejudicaram a contraofensiva ucraniana: o colocar em tempo oportuno as capacidades militares disponíveis para utilização (e não às pinguinhas como aconteceu em 2023) e não restringir/condicionar os sistemas mais sofisticados a não serem utilizados em território russo. Este “medo” ocidental de que a Rússia possa escalar não tem razão de ser, pois, o mais que a Rússia pode escalar, é a retórica, pois a nível convencional já está a utilizar toda a sua capacidade disponível. Não tendo funcionado eficazmente a contenção, sente-se encorajada a prosseguir a agressão. Esta posição ocidental custou muitas vidas à Ucrânia, sendo o fornecimento de armamento de longo alcance, sejam mísseis ou aviões, fundamental à vitoria militar e política, porque vai erodir a capacidade de sustentação militar e o moral das Forças Armadas russas. A Ucrânia também terá, e já está a fazê-lo, de construir uma capacidade autónoma de produção e sustentação militar, fundamental para fazer face a percalços no apoio dos aliados.

É assim tempo de agir de forma rápida e assertiva, sem tibiezas, nem medos, com a certeza de que o que está em causa é fundamental para a preservação da democracia e da segurança na Europa. Se não o fizermos agora, sair-nos-á muito mais caro no futuro.


Tenente-general
Europe’s War Institute.

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