A gestão da TAP já merece uma outra Comissão de Inquérito?

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É melhor que todos nos comecemos a preparar para a próxima Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP. Não é um desejo. Muito menos é um pedido, mas parece ser cada vez mais uma evidência. Chegados a setembro de 2024 - já com uma CPI “à tutela política da gestão da TAP” realizada no ano passado - persistem mais dúvidas do que certezas sobre a companhia que os contribuintes regularmente ajudam com os seus impostos.

Para começar, é preciso voltar a abordar o processo de privatização da companhia em 2015, no último fôlego do Governo em gestão de Passos Coelho, sobretudo esclarecer a decisão que permitiu ao investidor David Neeleman adquirir a empresa com dinheiro cedido pela Airbus a troco da compra de aviões e pago posteriormente pela própria TAP. Chama-se a isso comprar “com o pelo do cão”.

Argumenta David Neeleman que a TAP, nessa altura, nem sequer tinha “pelo” e que foram os fundos Airbus que salvaram a companhia. E se o Governo da altura tivesse dito que não, que não aceitava o negócio, o que teria acontecido?

São esclarecimentos que, seguramente, o atual ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, deseja mais do que ninguém, já que foi ele quem ficou na fotografia da privatização, desenhada por António Pires de Lima, Sérgio Monteiro e Maria Luís Albuquerque.

Do período da TAP renacionalizada (pelo PS em 2016) também sobram perguntas que carecem de mais luz. Para começar, a forma como o Estado pagou 55 milhões de euros adicionais a David Neeleman, um “paraquedas dourado” para o afastar em plena pandemia de 2020.

No caminho para se chegar a este negócio, talvez valha a pena revisitar o papel de Diogo Lacerda Machado (o homem-forte de António Costa) como consultor da administração da TAP em 2015 e 2016, e mais tarde, em 2017, como administrador da empresa. Isto porque foi Lacerda Machado quem liderou pela parte do Estado a negociação com os acionistas privados da TAP, David Neeleman e Humberto Pedrosa, para cederem parte das suas participações no capital da TAP.

E, claro, o elefante na sala. Os 3,2 mil milhões de euros que a TAP recebeu dos contribuintes portugueses, no decorrer de um processo em que a Comissão Europeia forçou o então ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, a aceitar termos duríssimos como contrapartida para a ajuda de Estado. O que resultou desse esforço?

Em fevereiro de 2020, a gigante alemã Lufthansa fez uma oferta por parte do capital da TAP que valorizava a companhia em cerca de 900 milhões. Mas hoje, à conta da imensa injeção de capital de 3,2 mil milhões e do plano de reestruturação, é uma TAP muito diferente que está a ser posta à venda. A companhia está, ou deveria estar bem capitalizada, com a sua dívida controlada e a ser revolvida, com um processo concluído de redução de custos com pessoal e outros; com frota suficiente e nova, com aviões encomendados à Airbus a caminho; e já livre de divisões que lhe lastravam as contas, como a Manutenção & Engenharia Brasil (ex-VEM).

No início deste mês, a imprensa italiana avançou que a Lufthansa pretendia adquirir 19,9% da TAP no âmbito do processo da privatização (e vamos no quarto processo de venda em 20 anos), num negócio avaliado entre 180 e 200 milhões de euros. O que valoriza a TAP entre 900 e 1000 milhões. Praticamente o mesmo que dava no arranque de 2020. Mesmo com todo o dinheiro que os contribuintes lá meteram e que, já sabemos, a TAP não vai devolver. Sim, a TAP já merece uma outra CPI.

Diretor-Adjunto do Diário de Notícias

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