A frustração do engenheiro António Mota

Publicado a
Atualizado a

A construção não tem o glamour das novas tecnologias ou de indústrias nacionais que servem o mercado mundial em posições de liderança. Nem o peso no PIB da agricultura ou de serviços. Pouco se fala na construção como uma peça importante na reindustrialização, nas exportações ou no crescimento da economia. Mas, vista mais de perto, a realidade é outra: o mercado nacional representa 7% do PIB, 6,9% do emprego e as exportações mais de 2 mil milhões de euros para dezenas de mercados. E não devem nada às maiores europeias em tecnologia, relações internacionais e know-how - basta ver a carteira da Mota Engil e as obras que venceram em alguns dos maiores concursos internacionais nos seus mercados.

Há três semanas, o engº António Mota recebeu o primeiro Lifetime Achievement Award atribuído pelo jornal Eco. Um bom pretexto para recordar o percurso exemplar do Grupo Mota Engil e, sobretudo, refletir sobre as palavras que deixou quando recebeu o galardão.

A história do Grupo remonta a 1946 e é bem conhecida. A OPA lançada pela Mota & Companhia sobre a Engil, em 1999, foi um marco decisivo que trouxe novas competências e deu origem à maior construtora portuguesa. Uma operação já, na altura, arrojada pela raridade de operações de aquisição desta escala em Portugal. O Grupo não parou de crescer e só de 2001 a 2023 multiplicou as receitas 6,5 vezes graças à extensão obstinada das fronteiras de atuação com obras cada vez mais relevantes, demonstrando a sua competitividade global e um espírito de grande ambição. Hoje, é a única construtora portuguesa no Top-100 mundial e a 14.ª a nível europeu, as posições mais altas de sempre.

Mas a insatisfação é a mãe da ambição. E quando, em 3 de dezembro, recebeu o prémio, António Mota confessou a sua maior frustração profissional. “Tenho uma derrota monumental na minha vida: na construção trabalhamos na África toda, mas nunca estivemos em Espanha,” Lamenta que a Mota-Engil nunca tenha conseguido “lá entrar” e “nunca tenha feito nenhuma obra”, destacando: “Temos de arranjar forma de irmos para lá ou de eles não virem para cá.”

Esta observação é demonstrativa de dois factos. Primeiro, quatro das dez maiores construtoras europeias são espanholas, uma armada robusta muito bem articulada. Segundo, sabemos bem que, não só na construção como em muitos outros setores, a economia espanhola funciona há décadas de forma particularmente coesa: atua sempre na defesa dos interesses do todo, ajudando cada uma das partes sempre que a ocasião se coloca.

Não é plausível que uma obra de dimensão em Espanha fuja ao controlo do setor da construção espanhol. Seria possível fazer o mesmo em Portugal ? Sim claro - mas seriam necessários mais grupos com a dimensão e força da Mota Engil ou grandes consórcios com outros gigantes europeus para bater sempre os espanhóis e criar o almejado contexto competitivo... de portas fechadas.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt