A família Bibas já não existe

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Este texto é sobre a família Bibas, que já não existe. Estive há menos de um mês na casa onde viviam até serem raptados pelo Hamas. Está destruída, como boa parte do kibbutz Nir Oz, o que mais sofreu com o ataque de 7 de outubro de 2023, com um em cada quatro dos 400 habitantes a serem mortos ou levados para Gaza. Na entrada, estavam fotos dos meninos, Ariel e Kfir, com dizeres a exigir a libertação. Também fotos do pai, Yarden, e da mãe, Shiri. Vi brinquedos espalhados. E uma bola de futebol a dizer Portugal.

Yarden, que foi raptado primeiro e acreditou que a família seria poupada, passou quase 500 dias em cativeiro. Foi libertado há duas semanas, graças ao cessar-fogo. Mas não tinha a mulher e os filhos à espera. O Hamas foi dizendo ao longo dos meses que tinham morrido num bombardeamento. As autoridades israelitas resistiram a confirmar.

Milhares de israelitas, entretanto, vestiram-se de laranja, uma referência ao cabelo ruivo dos meninos, a exigir que regressassem, querendo acreditar que o Hamas mentia. Quando perguntei sobre se estariam vivos ao capitão Roni Kaplan, que me acompanhou na visita àquele kibbutz a menos de dois quilómetros de Gaza, a resposta foi curta: “Tenho esperança, mas não sei”.

Shiri, com os filhos ao colo, foi filmada pelo Hamas no momento do sequestro. Ariel tinha quatro anos, Kfir era um bebé de nove meses. Agora, numa encenação do Hamas feita para indignar os israelitas, quatro caixões foram entregues em Khan Yunis à Cruz Vermelha. E levados para Israel. O grupo palestiniano diz que três eram os Bibas. Israel confirmou o nome do quarto, Oded Lifschitz, 84 anos, ativista pela paz, como muitos que viviam no Nir Oz.

Numa primeira visita, em 2024, a Nir Oz, uma das sobreviventes contou-me que quem ali morava, num kibbutz famoso pelo jardim botânico, acreditava que israelitas e palestinianos um dia viveriam lado a lado. Até havia quem fosse à fronteira buscar de carro doentes para serem tratados em Israel. “Eu sempre quis acreditar que Hamas e povo palestiniano não era o mesmo. Eu acreditava que a maioria das pessoas em Gaza queria viver em paz. Mas naquele dia de terror, ouviam-se vozes de homens, de mulheres, até de crianças. Uns vieram para matar, outros para roubar. Levaram televisões, frigoríficos e fogões”, disse-me Irit Labau, que se escondeu com a filha no “quarto seguro”.

Têm sido publicados no último ano e meio muitos livros a explicar o conflito israelo-palestiniano, mostrando os argumentos de uns e de outros. E eu próprio, em reportagens, entrevistas e análises no DN, há décadas que procuro entender o que impede a paz e que finalmente se aplique a solução dos dois Estados. Mas hoje não estou a escrever sobre a Declaração Balfour, ou sobre a independência de Israel (o tal momento que para os palestinianos é a Nakba), ou sobre as guerras israelo-árabes, ou sobre os Acordos de Oslo, ou sobre as intifadas, ou sobre os colonatos judaicos na Cisjordânia. Nem sequer estou a escrever sobre os 1200 mortos e mais de 200 sequestrados do 7 de Outubro, o dia mais terrível para os judeus desde o Holocausto, nem sobre os quase 50 mil palestinianos que morreram em Gaza. Estou a escrever sobre uma família que já não existe. Os Bibas.

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